Devia cortar esse cabelo

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— Segura essa porra direito, Sero.

Bakugou podia jurar que era a décima vez que dizia aquilo em menos de vinte minutos. Sero, atarantado, bem tentou firmar as mãos um pouco melhor, mas o tremor indiscutivelmente débil pregado a elas persistiu, assim como as falhas tentativas em contê-lo. O tique irritante das sobrancelhas hirsutas só corroborou ainda mais a aura desmazelada que parecia acompanhar aquele cara desde os primórdios de sua patética existência.

Bufou. Bêbado maldito. Enfiar dois litros de água e um sanduíche de queijo goela abaixo não adiantou de muita coisa... bem, ao menos ele não parecia prestes a cair duro no meio da oficina.

Porque, querendo ou não, precisava de ajuda.

— Tô tentando... — ele se engasgou com a saliva por um segundo, mas logo restituiu a fala: — Pronto, aí. Conseguiu agora?

O timbre comumente arrastado cingiu boa parte do recinto de forma igualmente paulatina, cujo alongar exacerbado das fricativas implicava certo incômodo aos ouvidos. Reconheceu também algumas poucas notas de preocupação vazando sob o sonido; certamente temia receber outra dura do chefe. Provando isso, o agarre ao corpo da moto tornou-se notavelmente mais rijo.

— ... Pronto. Finalmente, caralho.

Katsuki desabou no chão. As panturrilhas queimavam pelo tempo que passou agachado; um formigar insuportável, oriundo da alteração do fluxo sanguíneo em razão da posição adversa de outrora, varria desde as coxas até o dedinho do pé. Pôs a chave de fenda e o óleo mineral acima de um pano desbotado à direita e fisgou o cigarro à esquerda, pousado sobre a latinha de Coca. Deu uma longa tragada. Suspirou. Num movimento lânguido, jogou a cabeça para trás enquanto o pulmão expelia uma generosa batelada de fumaça para o teto.

Ótimo. Mais um serviço completo. Faltava pouco agora. Mais três consertos e poderia descansar.

Ergueu-se e tomou a direção da bancada. Estalou os dedos num "crac" alto antes de fisgar uma caderneta cuja aparência anosa poderia facilmente evocar o espectro decrépito de seu bisavô. Seguiu a lista de pendências até o fim da página e, ao detiver os olhos onde queria, riscou a moto­­­ do desgraçado que distribuía drogas na praça principal do bairro. Aquele serviço foi mais trabalhoso do que pensou que seria, mas teve uma puta sorte por já ter em mãos todas as peças necessárias. Aquele projeto de embusteiro capcioso não teria outra alternativa senão pagar muitíssimo bem.

Deku não acharia nada ético os tipos de clientes que atendia; sabia disso, mas não era como se pudesse escolher mediante um "dedo eclesiástico": para Katsuki, serviço era serviço, e enquanto não tivesse conflitos ou refregas, estava tudo liberado.

Sero, ali perto, aboletou-se numa cadeira e lá permaneceu. Parecia enjoado. Considerando a quantidade de água que bebeu, não foi surpresa. Ele tinha ido mijar nos fundos da oficina duas vezes em menos de dez minutos e, pela forma específica que unia as pernas, acompanhado do raspar inquieto dos calcanhares sobre o piso, não duvidava que ele fosse aliviar o joelho de novo dali a pouco. Antes, porém, precisava da ajuda dele para pegar umas caixas no depósito e trazer até ali.

Não pararia agora. Ainda podia dar início aos reparos à caminhonete enferrujada do dono do barzinho da esquina. O velhaco o havia cobrado no dia anterior mesmo e não deu a mínima se a oficina estava passando por um conflito-interno-intricado-para-um-caralho, reiterando o trato que tinham.

Bakugou sentiu vontade de mandá-lo à merda? Sim, mas sabia que o cara estava certo. Tinha um compromisso para com ele e, sendo um adulto responsável, o cumpriria com a mais alta excelência que aquele mundo de merda — somada a sua aptidão nata e à qualidade das ferramentas — poderia dispor. E não era como se a falta de Kirishima e Ashido fosse deixá-lo no fundo do poço. Eles quebravam um galho? Pra caralho. Kirishima sabia de motores tanto quanto Katsuki? Até demais. Ele era um dos melhores motoristas que já viu em ação? Também.

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora