Recaídas

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Midoriya,

Confesso que fiquei surpresa quando soube que você ia para a sua mãe. Achei que tivesse acontecido algo ruim, mas digamos que depois entendi o motivo. As notícias se espalharam por aqui, e elas não são boas. Não vou me aprofundar muito, pois quero te perguntar deste assunto pessoalmente, mas a novidade está relacionada ao seu término com Ochaco e aquele tal pretendente dela... Como disse, quero te perguntar diretamente.

Por sinal, aconteceu algo na biblioteca, há duas noites. A maçaneta estava quebrada. A coordenação ficou bem preocupada, e o palpite é que tenha sido obra de um vândalo. Fiquei encarregada de listar todos os livros e objetos para ver se algo não foi roubado, e felizmente tudo continua no lugar — então não surte. Mas me pergunto sobre o autor disso... Um embriagado do campus, talvez?

Não sei quanto tempo planeja ficar aí, mas acho que você devia voltar logo.

Tsuyu

Placidamente, Izuku releu a carta que chegou naquela manhã de segunda-feira.

As informações, cogitou, seguiam desconexas. Leu mais uma vez; necas. Ok, algumas coisas ficaram mais claras, à exceção de uma: a tal novidade que englobava ele, Ochaco e o pretendente pomposo que os pais da moça andavam jogando para cima dela. De fato, era algo confuso. Por qual motivo aquele cara estaria entre as fofocas da universidade? E... ainda havia a parte sobre as notícias não serem boas? Mas para quem? Ele?

De imediato, Izuku dispensou a ideia — caso as coisas fossem assim, Asui não teria recomendado sua volta.

Mas o que estava acontecendo lá, afinal?

Suspirou pesadamente. Não existia forma de ignorar seus compromissos. Podia não estar lá, mas a faculdade não deixou de existir. À sua espera, testes finais espinhosos que se aproximavam cada vez mais, e ele teria que se entregar aos estudos caso quisesse vigorar como primeiro da classe. Mas enquanto se visse livre deles, decidiu, degustaria seu bolo de laranja com toda a calma do mundo. Desviou os olhos para o relógio com o design de pássaros acima da geladeira — as horas eram apresentadas em forma de aves, e o ponteiro pequeno apontava diretamente para uma codorna gorda — e viu que ele acabara de bater às oito.

Ali perto, estava sua mãe, ocupada com o preparo de mais panquecas. Embora se sentisse cheio, não recusou. Desde que se tornou emancipado de auxílios monetários, percebeu que a única forma que restou para ela mimá-lo era através do estômago. Mas na verdade sempre foi assim. Na infância, sua magreza exacerbada foi motivo de muita preocupação. Professoras das escolinha requestavam sua mãe para conversas privadas, e em pouco tempo ele se viu diante da curandeira da cidade, que apontou sua "cura" mediante "muitos ensopados e massa pra esse garoto deixar de ser gravetinho."

Kacchan, na época, era super maldoso com ele sobre esse assunto — dizia que Izuku seria levado pela primeira brisa que o atingisse —, mas após conversas com sua mãe, Izuku deixou de acreditar em tais fantasias pavorosas. Era um garoto medroso, e Kacchan, melhor que ninguém, sabia e se aproveitava disso.

É. Diferente de antes, conseguia pensar nele sem medo. Sem culpa. A razão? Não sabia, mas não se martirizava por isso. Na realidade, não fazia nada além de permitir a navegação de seus pensamentos para fragmentos que envolviam uma ligação maviosa entre lábios ungidos de lágrimas e respirações tênues como há muito não ficavam; para suspiros sensíveis que escapuliam do beijo íntimo e roçares elétricos de dedos sobre sua nuca. Horas após a partida de Kacchan, aninhado nas cobertas, Izuku tocou os lábios ainda dormentes sem perceber, e pensando em todo o desenrolar ocorrido na despensa, embarcou em sonhos fagueiros que arquitetavam jardins floridos e picolés de laranja que por algum motivo continham um sabor meio apimentado. Mas não foi nada ruim... Gostou da experiência.

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora