Eu juro por Deus

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Izuku achava curiosa a ideia de que, não importasse o lugar, sempre haveria uma igreja para os fiéis exercerem sua fé.

Olhou ao redor. Lá estavam eles, uns orando, outros conversando em volume baixo enquanto a missa não começava. Seja uns mais devotos que outros, a grande verdade é que o ser humano, ao menos uma vez na vida, flagra-se apelando a forças divinas. Eram indivíduos fracos, afinal, e a confiança no mítico trazia calma e amparo — não que ele fosse um cético. Mais de uma vez ele viu milagres acontecerem, fosse o sonho de engravidar de uma vizinha que todos achavam que era infértil, de repente concedido, fosse sua própria recuperação do incidente. E caso se entregasse de verdade, sentia, bem no âmago, uma quentura aconchegante. Psicológico? Talvez, mas nada tiraria de sua cabeça que existia um Deus por aí.

Um, aliás, que Izuku atualmente temia.

Sentia-se um intruso ali. Inevitável, é claro. Negligenciara e muito seus compromissos religiosos desde que ingressara na faculdade. Quando pequeno, os domingos de comunhão eram programas obrigatórios, e assistir à missa nunca era chato, considerando ter Kacchan ao seu lado, que, igualmente entediado, punha em prática brincadeiras que Izuku, por falta de coragem, mas muita vontade, não tomava iniciativa nem para sugerir. Aliás, com a mãe de Kacchan por perto, faltava-lhe ímpeto até para abrir a boca. Agora, adulto, sentia-se em falta com Deus, principalmente nas últimas semanas, considerando tudo o que ele e Kacchan andavam fazendo. As pessoas podiam até não ler sua mente, mas diante do altar era como se estivesse com o cérebro aberto, portador de toda a verdade pecaminosa.

Discretamente, soltou o ar. Batia o pé num tique nervoso no piso polido. Em virtude do engarrafamento causado pelas ruas interditadas, a igreja estava com menos gente. A chuva da noite anterior fora brava, a pior do ano até então. No íntimo, ele agradeceu por isso, mas em seguida perguntou-se o porquê. Quer dizer, até entendia estar se sentindo um foragido ali, mas as pessoas o viam e não diziam nada. A paranoia era forte a tal ponto? Sim, seu pecado com certeza se sobrepunha aos que os outros carregavam dentro de suas consciências, levando em conta a abominação da igreja a casos... bem, como os dele. Todavia, se errou, exatamente por isso tinha o direito de estar ali.

Direito ao perdão.

O coração disparava e então acalmava. Das cinco unhas da mão direita, roera três. Ali era o lugar certo. Não estava cometendo um erro. Era indigno, mas não a ponto de não poder pisar ali, não é? Naquele momento, assumia-se como o filho pródigo e a igreja, como o pai que ele abandonara quando se entregou aos delírios do mundo. Mas ele voltou. Ainda tinha salvação. Tinha...

— Midoriya? Eu não esperava te encontrar aqui.

Os murmúrios que sequer percebeu estarem escapando de sua boca cessaram ante a voz familiar. Girou o pescoço e, com admiração, deparou-se com Iida.

— I-Iida? — Sua voz exprimiu o surrealismo que o dominou. Sério? Depois de tanto tempo ele veio deliberadamente falar com Izuku? Passados cinco segundos em que lutou para suprimir o choque, pigarreou para evitar a gagueira e o olhou direito. — Oi... também não esperava te encontrar aqui. Como está?

Seu timbre não estava natural, mas julgou estar de bom tamanho. Seguia em assombro, mas um interno, agora. Após tantas semanas, acreditou que sua amizade com Iida acabara de vez. Ele foi o único que não o procurou para fazer um pedido de desculpas. Izuku? Ficou magoado, óbvio, mas superou — ou assim pensava. Em pé, a sua frente, Iida o olhava fixamente, não desviando como fez várias vezes desde que Tatami espalhou os boatos sobre Izuku e Shindo para a universidade e, veja só, sem traços depreciativos em seus olhos azuis, que, por alguma razão, expressavam determinação.

— Eu estou bem, obrigado — Iida disse e, sem pedir, acomodou-se ao seu lado. Levou um tempo mirando o altar, e se não o conhecesse, Izuku apostaria que ele, lá no fundo, estava constrangido. Logo, um suspiro. — Midoriya, eu serei direto. Sei que estamos nesta situação desagradável já faz um tempo, e sei que é responsabilidade minha ela perdurar até agora. No entanto, te encontrar aqui me fez crer que o momento de agir deve ser agora.

Greaser | BakudekuOnde histórias criam vida. Descubra agora