Capítulo 6

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Entrando em meu prédio, só escutei o porteiro falando "Guria! Tu tá ensopada!" e eu concordei com um sorriso forçado e um olhar miserável

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Entrando em meu prédio, só escutei o porteiro falando "Guria! Tu tá ensopada!" e eu concordei com um sorriso forçado e um olhar miserável.

Após uma tentativa falha de secar minhas mãos apenas as sacudindo, peguei meu celular. Verificando que estava tudo bem mesmo após essa chuva, vi também que tinha uma mensagem da Julia, só que não eu conseguia desbloquear a tela por conta dos meus dedos molhados. Suspirei e voltei guarda-lo.

Suspirei mais uma vez quando o porteiro disse que o elevador não estava funcionando.

Hmmm... Chegar encarangada de frio, toda ensopada e agora ter que subir as escadas... Que delicinha!

Bom, melhor eu me apressar para tomar um banho logo do que ficar remoendo minha desgraçada.

Com muita dor no coração, comecei a subir as escadas, sabendo que meu apê ficava no quarto andar.

Depois de alguns longos minutos onde eu subi aqueles degraus com a maior lentidão do mundo, finalmente estava já no terceiro andar, perto de chegar no quarto. Tive que parar por um momento para respirar um pouco, sentindo meu corpo ser tomado pela dor de um cansaço imenso.

E pensar que ainda tenho que trabalhar mais tarde...

— Van Gogh! — alguém gritou. — Vem cá!

Num susto, ergui a cabeça para ver o que estava acontecendo. Me deparei então com um homem alto descendo os degraus numa velocidade que parecia desesperadora. Observando bem a cena, entendi; um gatinho travesso fugindo dele.

Quando o gatinho fora descendo, acabou por chegar em minha frente. Rapidamente me agachei e o peguei, voltando a olhar para o moço desesperado.

Sua expressão que a pouco era desenhada pela aflição, se relaxou em alívio ao ver o seu gato em meus braços.

— Oh mon Dieu! Obrigado! — disse ele, continuando a descer as escadas até mim.

— Não é nada... — voltei a subir, para chegar mais rápido ao seu encontro e devolver seu gato.

Porém, como a vida é engraçada e as coisas podem sempre piorar, o moço que descia tão apressadamente a escadaria, errou a pisada em um dos degraus.

Eu, que previ o que iria acontecer, segurei o gatinho em um braço só. Em um movimento ágil, subi os degraus que faltavam para nos encontrarmos e antes que ele caísse sobre essa imensa escadaria, o envolvi com meu braço que restava para tentar segurá-lo.

Provavelmente sabendo que eu, uma garota de 1,64 de altura, não teria forças para o segurar, que devia ter mais de 1,80, ele segurou no corrimão, ajudando para que nós dois não rolássemos esses degraus juntos.

A cena a seguir então fora caótica.

Todos firmes e seguros sobre o chão. Suspiros de alívio foram soltos, até nos tocarmos em como nos encontrávamos. Um silêncio constrangedor percorreu.

Eu, de pé, com um braço segurando um gato e o outro enrolando a cintura de um homem desconhecido, que se segurava no corrimão.

Já podem me chamar de príncipe encantado?

Nessa falta de palavras que percorrera, trocamos um olhar. Respirei fundo ao notar a proximidade de nossos rostos e a beleza distinta de seus olhos. Eram diferentes. Um verde, como um brilho de esmeralda. O outro, um brilho de sol, âmbar. Heterocromia é o que tinha.

Me encarando com aqueles belos olhos diferentes e bem abertos, senti meu coração se acelerar um pouco mais rápido por um segundo. Engoli em seco quando seu suspiro fora possível tocar em meu rosto.

— Eu... Nossa! Obrigado, de novo! — se afastou um pouco, apoiando todo o corpo agora no braço que ainda segurava o corrimão.

Afastei também, tirando minha mão de sua cintura e descendo dois degraus para ficarmos com uma distância que dois desconhecidos deveriam ficar.

— De nada. Tu tá bem?

— Estou sim, foi só um tropeção idiota — falando isso, revistou o corpo.

Enquanto ele fazia isso, aproveitei para observá-lo da cabeça aos pés.

Trajava um moletom preto da NASA, junto com uma calça de abrigo cinza. Cabelos bagunçados que se igualavam no tom castanho mel da barba rala. Bonito.

Baixei a cabeça para olhar o seu gatinho.

De pelagem branca e que ironicamente tinha um olho de cada cor também, um verde e outro azul. Entretanto, o que mais me chamou atenção foi o fato do gato ter só uma orelha.

Ele tinha o chamado de Van Gogh antes. Senti como se um ponto de exclamação tivesse brotado sobre minha cabeça.

Comecei a rir, o que fez o homem voltar a me olhar.

— O que foi? — perguntou, confuso.

— Seu gato, sem orelha e chamado Van Gogh — abri um sorriso, voltando olhar em seus olhos. — Eu tenho um cachorro sem perna chamado Saci.

Ergueu as sobrancelhas em compreensão, antes de soltar uma risadinha que fora finalizada com um sorriso bonito.

Muito bonito.

— Parece que compartilhamos o mesmo neurônio... — sua expressão alegre acabou sendo invadida por uma mistura de incompreensão, enquanto me olhava dos pés à cabeça. — Tu... Por acaso não foi quem se mudou para o quarto andar recentemente? Seu rosto me parece ser novo.

— Ah, sim! Eu mesma! Bianca — estiquei minha mão para ele.

Esticou a sua também, pegando na minha de leve.

— Arthur. Sou seu vizinho.

Sem querer abri um sorriso. Fora realmente instantâneo, com essas suas palavras a alegria e o calor percorreu por meu corpo.

Um bonitão desses é meu vizinho? Ai, ai...

— Prazer! Ah, toma aqui seu gato — subi um degrau, ficando perto o suficiente para ele não precisar fazer muito esforço para pegar o seu animal.

— Valeu... E você? Coisinha? Da onde já se viu fugindo desse jeito — esticou os braços para encarar Van Gogh. — Deixei a porta aberta um pouquinho e ele já planejou toda a fuga.

— Dizem que gatos são animais que gostam de ficar na rua, não?

— Bom, sim. Mas o caso dele é só para achar a gata da calçada lá que tá no cio. Acho que vou acabar adotando ela e castrá-la... — Uh, um pai de gatos. Que fofo. — Ah, tu tá molhada.

Meu sorriso desapareceu.

— Que?

Apontou para mim, o que me fez baixar a cabeça para olhar meu corpo.

Por um segundo, levei o que ele dissera em outro sentido. Agora a vergonha me toma por lembrar que estou horrível. Cabelo todo molhado, rímel borrado e roupa grudenta... Enquanto o cara, mesmo parecendo que acabou de acordar, estava lindíssimo.

Por isso que eu não consigo viver um romance.

— Ah é, peguei uma chuva daquelas — falei enquanto apertava meu cabelo e desviava os olhos por estar envergonhada demais para encará-lo.

— Então vou deixar tu indo. Melhor tomar um banho antes que fique resfriada.

— Verdade. Então, novamente, prazer em te conhecer, vizinho — forcei um sorriso, enquanto passava ao seu lado.

Sorriu de volta.

— Prazer é todo meu, vizinha. Qualquer coisa que precisar, só chamar — afirmou enquanto acariciava o gato.

Acenei com a cabeça e voltei a subir os degraus apressadamente para me trancar no meu apartamento logo.

Isso não é um Clichê!Onde histórias criam vida. Descubra agora