A chuva, mais uma vez, marcava sua presença. Os raios presenciavam, mais uma vez, a crueldade humana, e até que ponto vai o desespero por sobrevivência.
-REBECCA! – gritou em fúria o sequestrador – VOLTE OU EU A ARRASTAREI PELOS CABELOS!
A esse ponto, Becca já estaria longe dali se fosse esperta. Mas, como assim o destino havia traçado, ela escolheu a pior hora para fugir, o pior dia, a pior rota de fuga... Nada era propício.
Mas ela não desistiu. Não, não, se o ser humano é alguma coisa, sobrevivente é a palavra certa. Sempre alcançamos um meio de sobreviver. Rebecca representava muito bem isso. Em meio à chuva, com os pulsos amarrados, ela corria. Corria como nunca antes, com o coração prestes a saltar do peito.
Ela ouvia a chuva forte castigar o solo da floresta. Era noite, sua visão estava prejudicada e os hematomas em seu corpo provindos de socos e chutes a dificultavam e pareciam explodir em dor a cada segundo, como espinhos rasgando sua carne de dentro para fora, num ritmo agonizante e insuportável. Ela continuou correndo
-REBECCA! – ela ouviu mais uma vez, e sentiu um arrepio na espinha, mas não parou – VAI SER MELHOR PARA VOCÊ SE VOLTAR SEM QUE EU PRECISE IR ATRÁS!
Ela não deu ouvidos. Continuou correndo.
Então seu coração errou as batidas quando um tronco caído em seu caminho a fez tropeçar e cair na lama. No susto, foi como se sua alma tivesse abandonado seu corpo e voltado subitamente. Becca cuspiu lama e tentou se levantar. E foi nesse exato momento que o desespero agiu em sua mente quando, ao longe, meio confuso entre o ruído da chuva, um trote rápido, pesado e violento se aproximava numa velocidade perigosa o suficiente para que ela fosse alcançada.
-REBECCA! – gritou o sequestrador. A voz soava mais intensa e próxima
-Não, não, não, não... – balbuciava em lamento enquanto se levantava desesperadamente e se preparava para correr. Seu coração explodia dentro do peito.
Ela puxou fôlego para gritar
-SOCOR... – de repente, estava com o rosto enfiado na lama, que entrava na sua boca e a sufocava, enquanto ela sentia uma pesada mão pressionando sua cabeça contra o chão e um joelho se apertando contra a base de sua coluna.
-Por acaso – disse ele, sussurrando em seu ouvido – se esqueceu na nossa pequena regrinha? Sem gritar!
-- Alguns dias antes... —
-Ei, acorda
Becca sentiu uma mão lhe dando tapinhas leves no rosto. Ela apertou os olhos e os abriu. Logo a leve luz do andar de cima invadiu sua visão, e a dor invadiu seu corpo mais uma vez. Seu nariz pulsava de dor, e suas têmporas pareciam prestes a explodir.
-Nossa, seu nariz tá horrível... parece que levou uma surra
Sua visão ficou mais nítida, e o homem que havia feito aquilo com ela estava ali, com um sorriso de canto de boca, segurando uma caixa velha de primeiros socorros e vestindo apenas uma calça de moletom preta, exibindo todo o seu corpo.
-Vai se foder... – balbuciou ela
-Ei! – repreendeu o homem – Estou cuidando de você e é assim que me agradece?
-Você fez isso comigo! – ela o encarou em fúria, e tentou inutilmente se afastar para trás.
Ele puxou as cordas de seu pulso e a trouxe para perto. Seus rostos ficaram extremamente próximos. Ela conseguiu, por um momento, sentir seu hálito quente com cheiro de menta.
-Muito justo... Apenas deixe-me limpar isso... Vai doer um pouco – falou, abrindo a caixa de primeiros socorros, mergulhando um pedaço de algodão no álcool e começando a limpar o nariz com o sangue. Rebecca franziu o cenho em dor e apertou os olhos por alguns minutos, até ela se acostumar com a dor. – Prontinho. Novinho em folha – ele sorriu, irônico
-Ainda dói – reclamou
-Uma hora vai parar... Até lá – ele pegou da caixa de primeiros socorros um pacote de pasta térmica gelada e a entregou nas mãos. Ela encolheu com o frio. – Coloque isso no nariz.
Ela assim o fez, olhando com desconfiança.
"Por que ele tá tão gentil assim comigo? Qual é a dele? Seria tão mais fácil odiar ele se ele não fosse tão lindo... Qual o meu problema?"
Com todas essas perguntas, no entanto, fez uma outra que ainda a atormentava.
-Quem é você? E o que quer comigo?
Ele se levantou, suspirando.
-Você vai saber, quando chegar a hora – disse, com um tom de voz mais raivoso
Rebecca estava pronta para fazer mais perguntas, que provavelmente iam irritá-lo mais ainda e ela ganharia um olho roxo. Porém, não as fez. Ao invés disso, manteve-se quieta. Em seguida, o barulho de um telefone ressoou pelo porão.
-Um momento – ele pegou o celular do bolso e atendeu – Alô? A essa hora? São, tipo, 8 da manhã, Jackson, o cara não pode esperar até o horário da reunião? – ele soltou ar em frustração – Tá... Não, Jackson, eu sei das minhas obrigações, é só que... Estou meio ocupado agora. Estou a caminho, não se preocupe... Mande o velho esperar
Ele desligou, e enfiou o celular no bolso novamente
-Escuta aqui – o sequestrador agachou e a encarou nos olhos – Eu acho que já deixei claro, mas volto a dizer... Se você gritar, tentar fugir ou qualquer coisa do tipo... Eu juro por Deus que mato você e você nunca mais verá a luz do dia. Eu fui claro?
Becca engoliu em seco, e assentiu com a cabeça.
-Ótimo – ele se levantou novamente, e em súbito seu humor mudou. – Está com fome? Vou buscar comida pra você
Subindo as escadas apressadamente, o homem bateu à porta do porão e a fez tremer com o susto. E, de repente, lá estava ela... Na presença da luz da lâmpada que ainda permanecia acesa.
A mente humana é algo... fascinante. Basta apenas um momento de perigo e desespero resultar numa situação difícil, que o ser humano começa a trabalhar para sobreviver. Foi assim com os primitivos, e é assim com o homem moderno. Os olhos de Rebecca passearam pelo cenário do porão numa velocidade impressionante, e então repousaram em uma fagulha de esperança que incendiou seu coração: na caixa de primeiros socorros, onde se encontrava uma pequena lâmina... Um bisturi!
A adrenalina fez pulsar mais rápido seu coração, e sem nem pensar duas vezes, a garçonete agarrou a lâmina com as mãos e a escondeu embaixo de sua saia do uniforme. Logo em seguida, num susto, a porta do porão se abriu em súbito, e a voz do sequestrador ressoou:
-Espero que goste de suco de laranja
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Mente Insana, Corpo Insano
Misterio / SuspensoBecca vive uma vida normal em seu trabalho de garçonete em uma lanchonete de Nova Iorque. Solteira, jovem, trabalhando ao lado de sua melhor amiga e recebendo um salário mínimo... Tudo parecia se encaminhar dentro dos conformes, até que em uma bela...