Capítulo 11 - Uma viagem pelo tempo

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Já está na hora de voltarmos um pouco na linha temporal que segue a vida de Rebecca Myers.

Ela tinha sete anos. Apenas sete anos quando tudo aconteceu.

A pequena Becky voltava andando para sua casa, de mãos dadas com a mãe, após ser buscada na escola. A mãe falava e falava. Contava para a filha coisas super empolgantes, como a viagem programada para o fim de semana, como a festinha de aniversário, onde todas as suas amigas estariam e todas iriam dormir lá, se divertindo até não poderem mais - tudo claro dentro do limite da idade, que era brincar de bonecas, construir fortes com lençóis, fazer guerra de travesseiros e assistir filmes da Barbie a noite toda.

Tudo estava feliz. Tudo estava bem.

Quando alguém apareceu em seu caminho até em casa. Era seu pai.

-Pai? - chamou ela.

Embora ela soubesse que aquele era seu pai, Becky mal conseguiu reconhecê-lo. Estava todo sujo, vestindo roupas amassadas e manchadas, fedia como alguém que não toma banho a muitos dias - o que era verdade, já que os últimos três dias, durante os quais elas duas não tiveram nenhuma notícia, ele passara bebendo num bar muito distante dali, com seus ditos "companheiros de copo".

-Elisa... - disse ele, ignorando completamente a filha. - Por favor, Elisa, me escute

-O que eu disse pra você? - a mãe de Becca esbravejou. - Nós duas estamos muito bem sem você. Não precisamos de você. Mas você, por outro lado, insistiu em jogar tudo fora por um rabo de saia!

A pequena Becky não entendia nada daquilo. Até achou engraçada a expressão, por pensar que se tratava de um cachorro usando saia, mas o tom de voz da mãe era tão sério que ela não riu.

-Eu sei Elisa, eu fiz besteira! - gesticulou o pai - Por favor, me deixa consertar tudo. Eu prometo que dessa vez vai ser diferente.

-Ah, você promete? Eu já ouvi esse discurso. Não gaste meu tempo com isso. Saiba que eu já encaminhei os papéis do divórcio. Seu caríssimo advogado vai entrar em contato e você vai assinar os papéis sem nem precisar olhar na minha cara, porque eu não quero olhar na sua. Vamos Becca.

Elisa apertou a mão na da filha e apertou o passo. Becca sentiu repentinamente seu outro braço ser puxado com força e ela ser separada violentamente da mãe. Quando ela se deu conta do que tinha acontecido, ela estava chorando no colo do pai, que a carregava para longe da mãe, que gritava para uma viatura de polícia que passava próxima algo como "Socorro! Ele levou minha filha"

-Parado! - ordenou o policial. O pai dela não obedeceu.

-Não se preocupe, pequena. Nós vamos ser muito felizes, só nós dois - ele sussurrou no ouvido da filha, e então o mundo virou de cabeça para baixo. Literalmente.

Tudo o que Becca consegue se lembrar é de estar caída no chão, ao lado do que restara da cabeça do pai, que fora parcialmente explodida por um projétil. Uma dor gigantesca irradiava em sua cabeça, mas ela estava consciente. 

Então Elisa ergueu sua filha no colo e a beijou na bochecha, numa tentativa maternal de consolo e proteção.

-Tudo bem, Becky... Tudo vai ficar bem...

***

Três anos mais tarde.

Rebecca já tinha dez anos completos. E estava, até então, vivendo um dos piores dias da sua vida.

Sua mãe havia arrumado um namorado novo. Mais uma vez. E, dessa vez, ela simplesmente o odiava. Aparentemente era recíproco, porque quando Elisa não estava presente, ele mudava totalmente de figura. Becca havia tentado alertar a mãe, mas sem sucesso. Como sempre, as crianças nunca eram levadas a sério, e a essa altura Elisa só se importava com quão lindo e bem sucedido era o cara, sem se importar com coisas como caráter. E isso caía em cima de Rebecca com intensidade esmagadora.

O que começou com uma viagem de carro dos sonhos pela manhã culminou com uma viagem de volta repleta de discussões durante uma noite chuvosa. Aí vai mais um ponto que dava toda a razão à chateação de Becca. Os dois discutiam o tempo todo. Era um inferno. A única vez que eles concordavam era na cama, durante todo o resto do dia eles constantemente brigavam e praticamente voavam no pescoço um do outro. Coisa que Becca acharia muito estranha caso lembrasse do relacionamento da mãe com o pai morto - que era exatamente igual, só que pior e com muita traição - e das palavras de Elisa diante do túmulo do pai.

"Eu juro que nunca mais me meto com homens como você" afirmou ela enquanto cuspia no caixão, pouco antes de ser enterrado.

Por ironia do destino, Elisa estava num relacionamento de três meses que já apresentava mais problemas que seu casamento de dez anos. Se Becca se lembrasse entenderia a ironia disso.

Eles dois batiam boca sem parar. Elisa ao volante, e ele gesticulando em sua direção, gritando mais e mais. A chuva caía forte, mas seu barulho era ofuscado pela gritaria. Becca não aguentava de tanta dor de cabeça, levando as mãos às orelhas e apertando os olhos - ela deitaria se pudesse, mas estava ainda apertada na cadeirinha muito bem presa por insistência da mãe. As lágrimas irromperam.

-Ótimo! - gritou o namorado da mãe. - Agora deu pra chorar! Vê se cala a boca!

-Para de falar assim com ela! - Elisa gritou em defesa da filha.

-Eu faço o que eu bem entender! Não me diga o que fazer sua vagabunda!

Elisa parou por um momento, como se estivesse em completo transe ao perceber o erro que tinha cometido ao se envolver com esse cara.

O choro parou. Becca encarava a mãe que, estática, apertava as mãos no volante com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Seu rosto estava sombrio.

-Becca... - disse, com voz baixa e pesada. O barulho da chuva e da estrada começaram a se sobressair. - Me perdoe.

Elisa virou o volante subitamente. 

O namorado gritou estendendo as mãos, mas já era tarde.

O mundo de repente estava turbulento. Havia virado de cabeça para baixo.

Mente Insana, Corpo InsanoOnde histórias criam vida. Descubra agora