Capítulo 6 - Devaneios e Verdades

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Rebecca já não sabia mais o que pensar. Não estava diante apenas de um psicopata. Estava diante de um assassino.

-Você... Matou uma pessoa?

-Não uma pessoa qualquer... Um estuprador. Alguém que ia fazer mal a você – Alexander se agachou e se aproximou. Ela recuou. Muito embora já tivesse repulsa por ele, aquele momento foi a primeira vez que ela verdadeiramente sentiu medo dele. Um medo que penetrou em seu coração e se espalhou por todo o seu corpo e sua mente, a figura de Alexander Cruz agora se tornava uma presença sombria e tenebrosa para Rebecca. Ele disse então, com voz calma e meiga – Não tenha medo... Becky. Eu vou sempre te proteger.

Ela tentou recuar o máximo, atingindo a parede oposta. Alex ergueu a mão e ela desviou o rosto, enquanto sentia o toque do psicopata ajeitando uma mecha loira atrás de sua orelha. O arrepio de terror a fez querer sentar-se em posição fetal e chorar. Uma lágrima escorreu de seu olho.

-Não chore Becky – ele limpou a lágrima com o polegar – Eu estou aqui...

-Por favor... – balbuciou, em meio ao choro – Me deixe em paz... Me deixe ir... Eu suplico, por favor...

-Por que está recuando? – sua voz soava calma, pacífica, como se ele fosse realmente inocente e acreditasse fielmente nisso. – Eu jamais machucaria você...

Rebecca começou a chorar descontroladamente, em meio a súplicas e pedidos de socorro para qualquer ser minimamente humano que pudesse estar ouvindo. O desespero havia, enfim, tomado conta dela.

A expressão de Alexander foi se transformando numa seriedade mórbida e cruel... Como se, de um momento para outro, não houvesse mais nenhum traço de humanidade nele. E então um olhar vazio surgiu em seu rosto, por apenas um mísero segundo, mas foi o suficiente para que ela temesse, não só o homem que estava diante dela, mas também temesse quem ou o que estava dentro dele.

***

O escuro do porão não a ajudou a dormir. O cheiro nauseante de vômito e sangue misturados com mofo lhe davam dor de cabeça, mas depois de umas horas nem eram mais incômodo, apenas intoxicavam o ar e seu nariz. Becca sentiu sua respiração começar a ficar mais fraca e seu coração pulsando mais baixo a cada minuto que se passava. Seu rosto pulsava de dor e a cada movimento mínimo, ela sentia cada centímetro de seus machucados explodirem escandalosamente.

Ela se agarrava ao último fio de vida que lhe restava. Sangue subiu por sua garganta e ela tossiu, fazendo cada parte do seu corpo responder em forma de gritos agudos de dor penetrante. Sangue manchava seus dentes e suas mãos. Rebecca estava morrendo.

***

O som sequente de um bip irritante a fez acordar. Ela sentiu como se suas pálpebras estivessem presas a blocos de concreto, mas com muito esforço conseguiu abri-las, e a luz branca do lugar os invadiu por completo. O cheiro nauseante tinha passado. Agora ela sentia um leve aroma suave. Seus sentidos começaram a trabalhar. Ela se sentiu aquecida, confortável, sua cabeça estava repousada em um travesseiro. Uma pequena espetada a incomodava em seu antebraço direito, e um curativo estava ali, oferecendo resistência. Não demorou muito para ela reconhecer o lugar. Era o quarto de Alexander. Logo ela começou a se lembrar de tudo. Sua dor de cabeça piorou. Uma mulher entrou no quarto, e assim que a viu, sorriu.

-Vejo que está acordada, Srta. Myers – disse ela, com um sorriso simpático e arrebatador. E estranhamente com uma voz familiar. A enfermeira era alta, loira, usava um uniforme muito mais justo do que o necessário, para Becca ao menos, e tinha olhos verdes penetrantes. Qualquer um que a encarasse por cinco segundos estava suscetível a se apaixonar.

-O que... – Becca começou a dizer, sentindo então resistência nos músculos do rosto. Ela passou a mão e percebeu que outros curativos cobriam uma série de ferimentos, inclusive cobrindo um dos olhos. – O que aconteceu?

-Você foi assaltada – respondeu a enfermeira, com as mãos nos bolsos e apoiada de costas na porta, agora fechada. – Não só isso, como violentamente agredida. Por sorte seu irmão agiu rapidamente e levou para um hospital.

-Irmão? – ela tentava raciocinar – Isso não pode ser possível, eu não...

A porta se abriu novamente, e Alexander entrou no quarto. Assim que ele a viu consciente, seus olhos se iluminaram e ele sorriu.

-Becca! Graças a Deus! – ele chegou perto, com cautela, e deu um beijo em sua testa. Ela não tinha forças o suficiente para pensar em recuar, então só aceitou, sem entender. – Eu fiquei tão preocupado.

Ele parecia muito diferente. Para Becca, até soava meio afeminado. Ela franziu o cenho. Alex a abraçou e chegou perto de seu ouvido, sussurrando:

-Não fale nada, apenas concorde comigo e siga o que eu fizer, ou então não vou ter piedade da próxima vez

"Agora sim faz sentido" pensou.

-Tome cuidado com os abraços, Sr. Cruz. Os efeitos da cirurgia ainda estão recentes, e os pontos podem abrir com movimentos bruscos.

-Vou tomar – Ele se virou para a enfermeira loira, mudando a voz de novo e sorrindo. – Muito obrigado por cuidar dela, Violet.

-Não há de quê, Sr. Cruz. – Ela abriu um largo sorriso. – Tenho que ir agora, recebi um chamado urgente, mas vou voltar assim que puder, ok?

Alex fez que sim com a cabeça e sorriu. Violet saiu do quarto e fechou a porta

Tudo mudou em instantes. Ao passo de que a enfermeira se afastava e saía da casa, Alex ia assumindo cada vez mais uma expressão sombria e séria. Toda a máscara de falso sentimento de afeto caiu e se estilhaçou em mil pedaços no chão, revelando o verdadeiro Alex. O Sociopata.

-Da próxima vez que você tentar fugir, Rebecca, eu não vou chamar a ambulância... Vou deixar você agonizar em cima do próprio vômito até a morte

Ele saiu da sala e fechou a porta com força, fazendo as paredes laterais estremecerem e Becca se encolher.

As outras horas que se seguiram foram completamente diferentes daquele momento. Alex havia retornado ao quarto mais duas vezes, com um copo d'água e dois comprimidos azuis. "Orientação médica" afirmou ele, mostrando a receita, com voz doce e simpática. Aquele falso Alex era tão doentio quanto o verdadeiro, só que pendia para o lado mais fofo e doce que alguém poderia fingir ser. Ele a tratava com carinho perto da enfermeira, que havia retornado após algumas horas, e com base na observação, Rebecca deduziu que a enfermeira estava hospedada ali. Por um momento, não achou nada demais. Fazia até sentido que a enfermeira ficasse por ali durante alguns dias para observação.

Foi então que Rebecca buscou fundo em sua mente. Aquela voz era muito familiar para que ela simplesmente deixasse aquilo passar em branco. Passou horas e horas refletindo, observando a manhã virar tarde, e a tarde cair para a noite, com a lua reinando nos céus. Ela não tinha forças o suficiente para se levantar da cama, então seu passatempo era ficar observando o tempo passar devagar. Era um inferno de pensamentos constantes que surgiam em sua mente, minuto a minuto, e ela entrava em conflitos com ela mesma sobre sua situação. "Fraca, inútil, burra" ela ouvia de si própria. "Nunca vai conseguir sair dessa desse jeito. Você tem que ser mais inteligente que um sociopata, mas sua maior nota na escola foi um C+, e numa prova que você colou. Nunca na vida você vai conseguir enganar o enganador. Já se considere uma mulher morta. Uma mulher inútil, fraca, burra... e morta".

Quando nem mesmo a própria mente lhe dava um descanso digno, ela fechou os olhos e se empacotou com o cobertor. Acolhida no calor da cama do homem que a sequestrara, ela adormeceu. Num respirar profundo, caiu no sono, e se viu perdida no mar confuso da mente humana, onde o irracional se torna real por um mísero segundo que parece eterno, e que pode lhe atormentar para o resto da vida.

Mente Insana, Corpo InsanoOnde histórias criam vida. Descubra agora