Capítulo XV

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O silêncio que a água proporcionava compensava o desesperador sufoco de não entrar ar algum em seus pulmões. Cada segundo submerso tornava mais difícil impedir que a pressão vencesse e preenchesse suas narinas com a mistura ardente de água, sabão e essência. Quanto tempo já estava ali? Não conseguia lembrar, perdera a noção completamente e, junto disso, vinha uma total falta de vontade de emergir. Emergir significava voltar à realidade, lidar com uma situação da qual passou anos tentando se preparar racionalmente para caso viesse a ocorrer, mas mesmo assim sentia uma impotência enorme, voltara a ser um garoto assustado e despreparado. Pensou em ficar ali, flertou com a ideia de deixar seus pulmões se encherem de água e assim acabar com aquele inferno, mas Tom continuaria vivo e solitário, algo que prometeu não permitir que ocorresse.

Faria aquilo que sabia fazer de melhor: aguentaria firme e buscaria algum lucro de tudo isso.

Erguendo a cabeça, foi golpeado por uma mistura detestável de vapor quente e ar frio noturno. Para seu desespero, o mesmo que o fez ficar imerso tanto tempo na banheira, quando a água parou de se movimentar e assentou, o silêncio voltou a reinar dentro do banheiro, refletindo o mesmo silêncio do restante da casa. Não era aquele mesmo que desfrutou embaixo d'água, esse era traiçoeiro, uma tortura de seus pais e estava durando desde a metade daquela tarde. A última palavra que ouviu de sua mãe naquele dia foi "É você", depois nada mais, e isso corroía sua alma, por não saber o que esperar dali em diante.

Regulus fechou os olhos e tentou usar a velha técnica de se distrair com coisas fúteis para esquecer o tormento da realidade, prendeu-se ao tic...tac do relógio no corredor, ao som da água que gotejava do seu cabelo e retornava à banheira, tudo em um compasso destoante de tic, pinga, tac, pinga. Tom morreria se falhasse. Tic, pinga, tac, pinga, um único olhar diferente, minimamente diferente, e era o fim. Tic, pinga, tac, pinga, os sons ficavam cada vez mais agressivos aos seus ouvidos enquanto vozes gritavam em sua consciência que se respirasse diferente, entregaria tudo e seria o fim. Tic, pinga, tac... e continuava, aquele compasso dissonante mesclado a berros sibilados em sua cabeça, o medo dominando cada fibra dos seus músculos, e quando se deu conta, estava apertando os próprios ouvidos e quase berrando para que sua mente se calasse, porque já sabia que não podia falhar, nunca pôde, nunca falhou e não seria agora que isso aconteceria.

─── Mestre Regulus?

A voz de Kreacher salvou-lhe de um colapso. Abrindo os olhos, viu a pequena criatura o encarando com preocupação, segurando uma toalha em seus finos braços.

─── Pegará um resfriado se continuar aqui, senhor. Sua saúde é frágil ao frio, como bem sabe...

Foi quando percebeu que não havia mais vapor saindo da água, seu corpo estava arrepiado pelo frio. Olhando seu reflexo no espelho, percebeu que seus lábios estavam ganhando uma coloração roxeada, perdera a noção do tempo novamente.

─── Alguma novidade?

Perguntou com desânimo enquanto saía da banheira, porque sabia que a resposta seria a mesma que recebeu a tarde toda.

─── Não, senhor. Os mestres estão aguardando sua presença na sala de jantar e o garoto escravo está trabalhando normalmente.

Thomas estava bem, não sofreu punições, sequer recebeu tarefas mais desgastantes. Parecia um dia normal, sendo que não deveria, e isso era a maior tortura que Walburga e Orion poderiam aplicar.

Black terminou de se enxugar e vestiu para jantar. Olhando uma última vez seu reflexo, permitiu-se admirar por um instante seu próprio caos exposto com as ondas do cabelo caindo sobre seus olhos, o cansaço refletido nas pálpebras pesadas e o tom opaco dos seus olhos do qual andava perdendo o costume de observar, porque desde o instante em que iniciou a relação com Tom, não era mais tão frequente aquela opacidade quando estava sozinho.

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