Capítulo IV

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LITTLE HANGLETON, 1966

O porão era grande, mas não era confortável para uma criança crescer. Merope dividia sua cama de solteiro com o filho, ao lado haviam mais duas camas dos outros dois trouxas que serviam os Riddle há décadas, eram velhos já e sempre olharam para Tom com pena, especialmente quando seu último teste para magia fracassou.

Merope era ingênua, apaixonou-se por seu senhor logo no primeiro instante em que pregou os olhos nele e se deixou levar por uma conversa barata que bastou para servir como amante do bruxo até o dia em que Thomas descobriu que foder com uma escrava não o livrava dos riscos de ter um filho bastardo. Ainda naquela noite Merope acreditava que o rapaz faria algo para livrar o filho de ser jogado em um orfanato.

A lei era clara: abortos e trouxas, ao completarem seus cinco anos de idade e terem a documentação dos testes comprovando falha em manifestações de magia, eram levados para orfanatos, onde seriam vendidos como animais de carga. Contudo, se o pai ou mãe bruxo desejasse manter o filho, bastava pagar o valor da criança ou trocar por alguns favores. Colocando em números, 1 em cada 100 famílias faziam esse esforço para manter seus filhos desprovidos de magia sob o mesmo teto.

"Ele será levado em uma hora"

"Por favor, meu senhor, é nosso filho!"

"Como vou manter um filho bastardo trouxa debaixo desse teto sendo que estou prestes a me casar? Isso não é um conto de fadas, Merope!"

Tom ouvia a discussão dos pais enquanto fingia ainda estar dormindo, foi a primeira vez que sentiu a decepção após depositar expectativas em alguém. Merope o fez acreditar que seu pai faria algo, ele se deixou levar por essa ideia romântica de ser um bastardo amado, mas não seria e tinha uma hora para se acostumar com a ideia de viver sozinho em um lugar onde seria vendido para estranhos. Queria ser mais corajoso, mas suas mãos tremiam tanto que mal conseguia manter o aperto na fronha do travesseiro, seu corpo não funcionava direito, estava sendo tomado lentamente por uma sensação paralisante de medo.

─── Tom, querido, está acordado?

Ouviu a voz de sua mãe, a única pessoa em quem podia confiar naquele momento. Tom virou de frente para ela, Merope não era uma mulher bonita e os anos de escravidão naquela família horrível deixaram marcas eternas de cansaço no seu rosto, mas o menino a enxergava como um anjo, afinal ela era sua mãe e tentou dar o seu melhor para tornar os primeiros cinco anos de vida do filho nos menos piores possíveis.

─── Eu não quero ir...

─── Eu sei querido, eu sei. Eu não posso evitar que te levem, mas posso garantir que não sofra tanto, um dia podemos até nos reencontrar, sim?

Timidamente Tom assentiu e segurou a mão de sua mãe para acompanhá-la até a cozinha.

A segunda decepção da sua vida veio no instante em que sentou sobre o balcão e viu sua mãe retirar uma faca da gaveta. Merope esquentou a lâmina no fogão até que ganhasse uma coloração alaranjada e caminhou na direção do filho, seus olhos estavam cheios de lágrima, mas isso não amenizou o pânico que dominou o garoto.

─── Não se mexa, querido. Vai ser rápido, eu prometo.

─── Mamãe, não... ── Tom começou a recuar e soltou um soluço, mas Merope continuou andando na sua direção e saltou para cima do filho quando este tentou correr da cozinha. ── NÃO! SOCORRO! PAI!

─── É para o seu bem, Tom. Fique quietinho!

Tom berrava aos prantos por ajuda, mas ninguém entrou na cozinha em momento algum, nem viu uma sombra passar perto da porta. Ele conseguiu chutar a mão da mãe para que a faca voasse para baixo do armário e se arrastou enquanto tentava levantar para correr. Merope o puxou pela perna e ficou em cima dele, seu peso o impossibilitava de fugir, então tentou arranhar o rosto do menino com suas unhas que eram sempre lixadas para ficarem pontiagudas – segundo ela, Thomas Sr. preferia assim – e Tom, implorando para que ela parasse, se debatia e usava os braços para cobrir o rosto. Ele soltou um grito agonizante de dor quando sentiu seu braço ser rasgado pelas unhas, mas não afastou nem por um segundo, nem com Merope tentando a todo custo danificar sua face.

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