Capítulo III

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Odiava admitir, mas Regulus, na mais arrogante das intenções, salvou seu pescoço. A mente de Tom insistia em relembrá-lo esse fato irrefutável quase todas as noites quando encerrava mais um dia de trabalho. Para alguém que desde os cinco anos precisou agir por conta própria, sobreviver, ser zelado por outro era horrível, nem mesmo Myrtle o zelava, sempre foi o oposto e gostava disso, porque significava ter controle absoluto sobre tudo e agora, por causa daquele fedelho, nunca sentia que estava com total controle da situação e isso o consumia de uma forma que fazia dar mais atenção para a existência de Regulus do que gostaria.

Um ano se passou, seu aniversário geralmente não era comemorado nem por si mesmo, não enxergava sentido em comemorar ter vindo ao mundo para se foder tanto, mas naquele ano Sirius insistiu em saber a data e lamentou não estar lá para comemorar, mas nada o faria voltar àquela casa antes do tempo obrigatório, então compensou sua ausência – da qual não chateou em nada Tom – com uma foto dele com os amigos e uma mensagem de todos desejando feliz aniversário, também deram um jeito de enviar um cupcake caseiro.

A foto "acidentalmente" caiu na lareira no dia seguinte, mas o cupcake estava delicioso, admitira a si mesmo. Veja bem, não detestava Sirius, também não o odiava, mas ele era praticamente um golden retriever humano e esse tipo de personalidade era um pé no saco para alguém como Tom. Ao menos valorizava os privilégios de ter conquistado o afeto do garoto, era sempre durante a limpeza do quarto de Sirius que Tom podia descansar os pés por pelo menos vinte minutos e Sirius podia até não ser a pessoa mais entrosada em política, mas entre suas tagarelices acabava comentando alguma coisa interessante sobre as outras famílias.

Regulus também não comemorou seu aniversário. Tom flagrou o momento em que Kreacher lembrava Orion da data e Walburga parabenizou o filho com a mesma indiferença com que dizia bom dia para um estranho na rua.

Ao longo daquele ano concluiu algumas coisas das quais conseguiu observar no garoto: Regulus tocava piano muito melhor do que o irmão, realmente adorava aquele elfo irritante e o afeto era recíproco, aparentemente sua alimentação estava melhorando agora, mas antes comia apenas duas vezes ao dia porque não sentia apetite facilmente – a julgar pela forma como saboreava um chá, seu paladar era exigente como o da mãe – e constantemente acordava depois da hora do almoço, mas Tom nunca ouviu reclamações sobre sua ausência à mesa, era como se a presença do caçula ou a ausência fossem igualmente irrelevantes.

O fato de dormir até tarde não era grande coisa. Riddle aprendeu facilmente apenas lendo revistas e ouvindo fofocas que não importa se uma família aristocrática é matriarcal ou patriarcal, a essência seria a mesma para herdeiros: precisam apenas de um para seguir com o legado e este irá carregar o peso nos ombros de ser perfeito desde o primeiro choro de sua vida, os filhos que surgirem depois do primeiro costumam ser irresponsável e irrelevantes, porque provavelmente nunca irão assumir a liderança e boa parte nem quer isso, quando quer logo dão um fim no primogênito. A única função oficial de um segundo filho é casar e gerar filhos que possam ser os herdeiros eventualmente ou apenas garantir que a linhagem nunca acabe, para isso não precisa acordar cedo ou ter alguma rotina regrada. Claro, Sirius era uma exceção à regra dos herdeiros, porque independente do quanto seus pais exigissem disciplina e dedicação, punindo severamente cada negligência, ele não obedecia.

─── Bom dia, Tom.

Sirius cumprimentou descendo as escadas, flagrando Tom limpando um busto de mármore do pai de Walburga.

Em algum momento daquele verão, e francamente Tom não fez questão de guardar na memória, porque achava irrelevante memorizar datas de eventos que não afetavam em nada sua vida, Sirius deu a si mesmo a liberdade de chamar o garoto de Tom, por razões óbvias, não se opôs.

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