Capítulo 33. "I knew about your plans to make me blue" (Marvin Gaye)

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Quando criança, eu e os meninos costumávamos apostar corrida todos os dias após o intervalo. Toda a vez que o sinal soava, saíamos correndo, de onde estivéssemos, e nosso destino era a sala de aula. Quem chegasse por último, pagava o lanche dos outros três no dia seguinte.

Me recordo de uma vez, a última vez.

Eu estava na frente, e isso não era uma surpresa, eu estava na escolinha de futebol e costumava ser o mais rápido entre eles por isto. Eu olhei pra trás, primeiro vi Taehyung, rindo, sua camiseta sendo bruscamente puxada por Hoseok, que competitivo desde cedo, tentava fazê-lo ficar pra trás, mesmo que fosse trapaceando.

Jimin, bem mais atrás, havia desistido, seu rosto estava completamente vermelho e a franja havia colado na testa, descansava escorado na parede, com as mãos apoiadas nos joelhos. Comecei a rir e gritar coisas como "sedentário" e "preguiçoso".

Hoseok e Taehyung me acompanharam e eu senti minha voz falhar em meio a um gemido quando meu ombro colidiu fortemente com uma superfície rígida. Um ruído preencheu meus ouvidos, irritando meus tímpanos.

Num primeiro momento, não senti dor. Mas aos poucos a palma de minhas mãos começou a queimar fortemente, meus joelhos depois, e em seguida uma chuva de partículas do vitral que eu havia atravessado começou a cair sobre mim.

As pessoas começaram a se acercar, mas minha visão turva não me permitia reconhecer ninguém. Eu nunca havia me sentido pior, não era só a dor de ter cacos de vidro fincados em minha pele, ou o ruído do vidro estilhaçando sobre mim ecoando em minha cabeça, eu estava com vergonha e com medo.

Eu queria chorar, mas eu não queria fazer isso ali na frente, e aquela foi a primeira situação onde eu quis sumir, ou quis que todos sumissem. Eu achei que aquilo nunca mais aconteceria, mas aconteceu muitas vezes mais... A dor, as pontadas, o ruído, a vergonha, o medo...

Lisa me fez recordar tudo isso de uma só vez, sem nem mesmo saber.

Quando a deixei na porta de seu bangalô, naquela manhã, após a noite mais completa que já havíamos tido juntos, me senti estranho. Era como se eu não pudesse sentir aquela felicidade exorbitante depois de tantas noites mal dormidas.

Como se uma tempestade se aproximasse, e eu pudesse sentir seu cheiro cada vez mais acerca. Ignorei a sensação, a nomeei de sono e fui para meu apartamento, e o que encontrei lá, me fez ver que isto tinha outro nome: verdade.

Nayeon estava lá e, de repente, meu sono se dissipou, junto com meu sorriso e qualquer rastro de felicidade. Eu não esperava encontrá-la ali, sentada entre as pernas de Hoseok, como se fosse bem vinda, quando não era... Pelo menos não por mim.

Tratei de ir logo questionando sua presença, como se ela não estivesse ali, e rapidamente ouvi, de sua própria boca, as seguintes palavras: - Tem algumas coisas que você precisa saber...

Eu já sabia do que se tratava. Não havia nada que ela pudesse me contar que não envolvesse Lisa, mas o quê?

Nayeon era amiga de Lisa e Jennie, e daquela outra garota, a tal da Rosé, então, tecnicamente, se ela tivesse que dizer algo referente à Lisa, seria pra me xingar, como todas têm feito desde o baile de primavera. E depois do que ela contou o que realmente queria, ser xingado seria adorável.

- Eu não fui ao baile de primavera, eu não sabia o que tinha acontecido, porque da última vez que conversei com Jennie antes do baile, ela me disse que Taehyung tinha pedido que ela não dissesse nada, que iria convencer você a contar tudo o mais rápido possível...

Encostado ao batente, eu a ouvia, fingindo desinteresse, quando meu coração parecia querer saltar pela minha boca só com a lembrança daquela noite, e ansiedade pelo que ela tinha a dizer.

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