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Lili Reinhart

Cole falou comigo todos os dias da primeira semana em que esteve fora. De dia eu me dedicava ao trabalho e à noite me distraía ao telefone com ele, conversando por horas, ouvindo sobre os lugares, as coisas e pessoas que ele conheceu pelo caminho. Eu também falava sobre o meu dia, mas preferia ficar ouvindo ele. Cole parecia muito animado com a viagem e comentou estar estreitando laços com seu pai. Nossas ligações terminavam com declarações do quanto estávamos com saudade um do outro e loucos para nos vermos novamente.

No fim da tarde de domingo, recebi um convite inusitado da minha mãe. Ela queria ir ao parque soltar pipa. Questionei o porquê daquilo e ela apenas me disse que sempre teve vontade de fazer algo assim comigo, mas devido à nossa relação conturbada, nunca tivemos a chance. Aceitei o convite e depois de comprarmos as pipas, fomos direto para o parque.

— Você já fez isso antes? — perguntei para ela enquanto tentava desenroscar o fio da minha pipa.

— Eu fazia o tempo todo quando era criança. Meu pai dizia que era coisa de garoto, mas desistiu de tentar me desanimar quando viu que não adiantaria. — sua pipa já estava no chão, pronta para ser usada.

— Por que não tentou fazer isso comigo quando eu era criança?

— Eu sempre mandava você ir ao quintal usar o balanço ou o escorregador, mas você saía de casa, dava uma olhada e depois voltava pra dentro. Eu comprei uma bicicleta que você só usou uma vez e depois deixou enferrujar. Sua casa de bonecas virou um museu de poeira e as suas bonecas se mantiveram tão intactas que quando eu as doei o pessoal da ONG não acreditou que eram antigas. Acha mesmo que eu ia te chamar pra soltar pipa?

— Com certeza não. — ri. — Não é que eu não quisesse brincar, eu só não queria fazer essas coisas sozinha ou com os filhos dos vizinhos. As outras crianças me assustavam. Elas falavam muito alto, não tinham medo de se machucar e faziam perguntas invasivas. Era desconfortável.

— Fico me perguntando de onde veio esse seu medo de socializar. — pendeu a cabeça para o lado, curiosa.

— Você nunca me disse como me comportar na frente de outras crianças. Quando estávamos em lugares públicos, a regra era ficar quieta e não dizer nada a menos que alguém falasse comigo primeiro. Eu cresci quieta e quando você tentava fazer com que eu tivesse amigos, você só me empurrava sem me dar instruções.

— Eu não achei que alguém precisasse de instruções pra isso. — coçou a nuca.

— Eu fui uma criança muito diferente, mãe. Quando se tratava de socializar, eu precisava que algum adulto me ajudasse.

— Eu sinto muito, querida. — levou sua mão até o meu rosto. — Eu sei que isso facilitou pra que as outras crianças achassem motivos pra fazer bullying com você.

— E a primeira vez que eu disse que alguém tinha me colocado um apelido você disse que era coisa de criança e que eu não deveria me importar. "Logo elas vão esquecer". E elas esqueceram. Elas esqueciam todos os apelidos assim que inventavam um novo. E eu esperei que alguém esquecesse até o dia da minha formatura no colegial.

— Eu... — ela arfou e seus olhos encheram de lágrimas. — Sinto muito. Muito mesmo. — Amy me puxou para si e me abraçou.

— Está tudo bem, mãe. Eu não sofri tanto quanto poderia ter sofrido. Ao invés de pensar no terror que era a escola, eu me concentrava nos estudos. Estudar era uma forma de fazer as outras coisas parecerem insignificantes. E deu certo.

— Deu muito certo. — ela se afastou, enxugou suas lágrimas e segurou o meu rosto. — Eu não posso voltar no tempo, mas eu posso te dar outras memórias. E claro, recriar memórias que eu gostaria de ter tido com você.

Enemies with Benefits ˢᵖʳᵒᵘˢᵉʰᵃʳᵗOnde histórias criam vida. Descubra agora