PASSADO
Eles fizeram questão de disponibilizar a casa para que fosse realizado o funeral. Não achavam que seria certo usarem da igreja da cidade para que prestassem aquelas últimas homenagens. Tanto por não frequentarem o lugar, quanto por não terem uma religião que os confortassem de que aquela despedida estaria sendo levada para um lugar melhor.
Os Morgan continuavam os mesmos. A mesma frieza, rigidez e agora tomados por um silêncio perturbante. Fazia dois dias que não se ouviam vozes naquela casa, nem um curto diálogo ou uma frase dita por completo. Isso acontecia desde o fim do velório, quando o caixão foi colocado debaixo da terra e eles tiveram de voltar para casa, com um deles deixado para trás.
A morte de Trevor os abalou, e isso era inegável. Mas, o luto que se seguia com aquela família era de uma estranheza quase peculiar. Não tinha mais lágrimas, ou noites mal dormidas, era arriscado dizer que aos poucos a rotina tinha voltado. A filha mais nova quem reparava em tudo, em seu silêncio, observava como o pai organizava as coisas e às vezes dava um suspiro de exaustão, onde seu semblante mudava por alguns segundos e ela acreditava que uma lágrima viria cair, mas ele logo mudava e voltava ao que antes estava fazendo. Sua mãe permaneceu séria, vez ou outra chorava pelos cantos, ou então apelava pela bebida e se enchia de álcool até não se lembrar de onde se encontrava, precisando ser levada a força até seu quarto. Ela e a filha tiveram pouco contato, desde a morte. Nenhum abraço de acolhimento durante o velório, nenhuma mão apoiada em seu ombro em gesto de proteção, nada.
Quando Sierra voltou para casa com eles, e sentiu o cheiro daquele ar pesado, quase se sentiu uma intrusa. Não existia mais brilho naquelas paredes, nos cômodos, a casa que antes era totalmente branca começou a se tornar cinza, como se tudo estivesse apodrecendo, e eles iriam afundar junto com a mobília. Ou, era só ela que se via nisso, e seus pais dariam um jeito de fugir.
A ideia do funeral veio de sua mãe, horas depois de terem chegado em casa. Ela disse que precisava se despedir de seu filho de uma maneira mais digna, e não por um caixão debaixo da terra. Sierra concordou de imediato, mas não foi escutada. Minutos depois, a mulher já estava ao telefone, conversando sobre a organização, dizendo que ficaria no comando de tudo. Contudo, foi uma mentira.
A garota quem teve de se virar em arrumar tudo. Passou a madrugada acordada, arrumando o casarão, organizando os móveis, o altar improvisado na sala de estar, a foto centralizada do irmão que seria coberta por arranjos de flores, e já pela manhã ela ainda se dedicou em preparar alguns lanchinhos para receber quem fosse visitá-los naquela manhã. Ela fez tudo sozinha, e sua mãe não a agradeceu.
Agora, faltando menos de quinze minutos para os convidados chegarem, o trio dos Morgan se encontrava em frente ao altar na sala de estar, com a foto de Trevor suspensa no suporte de madeira. O registro do quadro foi escolhido pelo anuário escolar, na qual centralizava unicamente seu rosto do pescoço para cima, onde um sorrisinho era exposto e olhos bem abertos, da maneira que ele mais gostava de ser registrado em uma fotografia. Eles nem perceberam quanto tempo haviam ficado ali, parados naquela sala, apenas observando a imagem do filho, e permitindo que a dor do luto se aprofundasse em seus internos.
— Ele era lindo — Sierra suspirou, gesticulando os ombros.
— Ele sempre será lindo — Robert Morgan tocou suas costas. — Era nosso filho.
— Meu garotinho... — Vanya cobriu a boca. — Meu lindo garotinho...
Sierra virou o rosto para a mãe, que já tinha os olhos marejados. Havia se maquiado, mesmo que não perfeitamente bem, mas que poderia piorar caso começasse a chorar.
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Trust No One (Finalizada)
Mystery / ThrillerQuando o presidente do Corpo Estudantil é encontrado morto em praça pública, os moradores de Ambrose se veem presos em uma grande armadilha feita por um serial-killer que se esconde entre os jovens próximos a vítima. A detetive Agatha chega a cidade...