Prelúdio

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1° de MAIO DE 2021

4h26 da manhã

AMBROSE

Suas mãos estavam cobertas de sangue. Assim como o resto de suas roupas.

Os dedos tremiam enquanto se moviam debaixo da água gelada da torneira, a cada movimento que a garota fazia para tentar tirar a sujeira viscosa de suas unhas, antes pintadas de preto, mas agora cobertas por aquela vermelhidão sórdida. Devia estar a mais de dez minutos ali, com a cintura encostada contra a pia, apenas olhando as mãos e a bacia branca de mármore ser manchada por todo o sangue que não era seu. E se levantasse um pouco do rosto para se olhar no pequeno espelho em sua frente, teria a chance de se encarar no reflexo embaçado, onde veria a maquiagem borrada ao redor dos olhos e as lágrimas ressecadas que paralisaram em suas bochechas.

Harper Marrin respirou fundo, pela quarta vez naquela madrugada.

Quando pediu para o usar o banheiro da delegacia, após ser levada para lá na presença de alguns policiais e até mesmo da própria xerife, percebeu que não daria conta em ter que responder tudo que seria interrogado logo de primeira, e antes necessitava urgentemente espairecer em um canto isolada até que seus nervos diminuíssem e a tremedeira fosse contida de seu corpo que era devastado pelos calafrios.

Havia matado uma pessoa. Enfiará uma faca contra seu pescoço e assistiu o sangue dele se derramar em seu rosto e por suas vestes. Tudo que aconteceu em seguida foi um extenso borrão e nada se materializava em sua mente para fazer com que conseguisse raciocinar direito. Em um momento estava em cima dele, tirando sua máscara e encarando a face ensaguentada, e em seguida era puxada para uma viatura, com as sirenes ecoando por seus tímpanos e a levando para um estado de choque que nunca desejou sentir.

Tinha matado uma pessoa.

Até chegar a escadaria que a levou para dentro do prédio da polícia, a faca do assassino ainda estava em sua mão. Nem perceberá como segurava aquele cabo com tanta firmeza, mas só fora se dar conta quando Michelle Smith pediu para que a soltasse e a entregasse. Harper só esticou o objeto ensaguentado e se permitiu ser levada para o interior, ignorando todos os repórteres e jornalistas parados em frente a porta, com suas câmeras e gravadores apontados em sua direção, pedindo para que ela desse algumas palavras do que acabará de acontecer em Penhallow High.

A morte do Estripador.

O assassino mascarado que levará a vida de alguns jovens daquela cidade havia tido finalmente seu fim. Sua identidade revelada e exposta para todos que estavam presentes no campo de futebol do colégio, que ocasionalmente também foram obrigados a assistirem uma sequência tenebrosa de exposições de alguns jovens daquele lugar — inclusive a dela.

Harper fechou a torneira. O sangue não iria sair, e só manchava ainda mais sua pele. Apoiou os dedos contra a borda da bacia, e controlou a respiração. O coração batia forte, a falta de ar a consumia por inteira, sentia que se não respirasse pela boca seria capaz de desmaiar. A nuca estava encharcada de suor, as trancinhas da parte de trás de sua cabeça começavam a ficar úmidas pelo excesso. E notando todos esses detalhes em si, a garota começava a ficar enojada, afastando-se da pia e mirando com os olhos as roupas marcadas de sangue.

Uma imensa vontade de gritar a consumia. Queria se espernear naquele banheiro, chutar as portas, socar o espelho, qualquer coisa que a trouxesse para a realidade do que era estar vivendo aqueles sentimentos.

Sangue nas mãos. Um corpo pesando em suas costas. Começava a sentir a condenação.

E durante todo esse devaneio em se repudiar, Harper não foi atenta em ouvir a porta se abrir, com um novo rosto feminino aparecendo no recinto, mas sem se atrever a entrar por inteiro, como se só estivesse verificando o que poderia estar acontecendo para sua demora ser tão prolongada.

Trust No One (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora