A ajuda do amigo

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Meu Estranho,

O seu desenho me deixo de queixo caído, estou até agora tentando reerguê-lo. Já me deu uma prova de como é bom com as palavras, mas estou impressionada com seu talento para desenhar. Você soube me retratar com maestria... Eu simplesmente estou encantada. Não poderia receber presente melhor.

Meu retrato já tem um lugar especial no meu quarto. Colei na porta, onde posso ver sempre que dormir e será a primeira visão quando eu acordar. Ao tocar o papel é como se eu sentisse seu toque enquanto desenhava, parece loucura, não é?

Como você já faz parte de mim, queria que fosse o primeiro, a saber que em breve estarei voltando para casa. Não sei o dia exato, mas logo estarei no convívio com a sociedade outra vez.

Isso é tão CRAZY.

Eu sei o que você vai falar, juro que sei... Mas eu estou apavorada com ideia. Estou com medo de sair daqui. E se eu tiver uma recaída? E se eu não for forte o bastante? E as pessoas que me conhecem, o que estarão esperando de mim?

São tantos "se"...

Queria que estivesse aqui para segurar minhas mãos e dizer que tudo vai dar certo.

 

Sua Ivy.

 

Depois de uma semana de cão, receber a carta da minha Ivy, soou com uma porta que me levou direto para um refúgio. Brigar com Raquel e constatar que ela não está sabendo lidar com seus sentimentos me deixou bastante irritado.

Primeiro descubro que ela andou mexendo nas minhas coisas particulares, uma constatação da sua imaturidade a não perceber que eu nunca a olharia de outra maneira que não fosse uma garota tentando se encontrar.

Segundo, por ela ter rasgado a foto de Ivy, a única que eu tinha. Por sorte, eu tenho sua imagem gravada e basta fechar os olhos para vê-la.

Ler sua carta e saber que ela gostou do desenho, foi muito bom. Fiquei apreensivo, com medo que ela achasse no mínimo estranho que eu lhe enviasse um desenho seu, mas que surpresa ao saber que ela adorou.

E mais, saber que ela colocou em um lugar especial onde pode ver sempre que quiser. Fechei os olhos por um segundo e tentei imaginar ela deitada em sua cama olhando para o próprio retrato e pensando em mim.

É muito crazy, como ela mesma disse. O desenho agora é a nossa ligação mais rápida.

Leio o final da carta novamente e tento sentir suas palavras. Ela está assustada por que em breve estará livre. Isso é motivo para comemorar e não para se sentir assustada. Eu tinha certeza que ela se recuperaria antes do tempo estimado. Ivy é uma garota forte, e no mundo das drogas, só os fortes sobrevivem. E ela é uma sobrevivente.

Queria tanto estar do lado de fora para lhe esperar. Ser a primeira pessoa que ela irá ver quando o portão se abrir e sair para rua. Eu queria tantas coisas, mas por mais que eu deseje isso, ainda não é possível. Mas e se eu...

Com uma ideia na cabeça, saltei da cama e fui pegar meu celular, um aparelho que peguei emprestado por tempo indeterminado com o Jardel. Acessei a agenda e busquei o número da única pessoa que tornou possível eu estar me correspondendo com Ivy.

No terceiro toquei, ele atendeu.

- Alô. — Ele disse.

- E aí cara, tudo bem?

- Tudo. Aconteceu alguma coisa?

- Sim. Não. Na verdade, as duas coisas. Está podendo falar? Estou ouvindo o barulho de música.

- Estou em uma festa. Espera um segundo, vou para outro lugar para que eu posse te ouvir direito.

- Ok.

Esperei longos segundos, até o barulho da música diminuir.

- Agora podemos conversar. O que aconteceu? Está em apuros? Precisa de dinheiro?

- Nenhuma coisa, nem outra.

- Achei que tínhamos combinado que você só me ligaria em caso de emergência... Estou tentando resolver o seu problema, mas está difícil, preciso de mais tempo.

- Eu sei, e não te liguei para cobrar nada. É sobre a Ivy.

- O que tem a Ivy? Ela descobriu sua identidade? Você deixou escapar alguma coisa?...

- Não, nada disso. Ivy ainda continua sem saber quem sou...

- Então se não aconteceu nada com você e nem com ela, por que diabos está me ligando?

Ele pareceu um tanto irritado.

- Ivy vai sair da clínica. — Soltei de uma vez.

Um silêncio do outro lado da linha.

- Já era de se esperar que ela não ficasse muito tempo naquele lugar. Quando ela lhe contou?

- Recebi sua carta agora à tarde. Ela está apavorada.

- Apavorada? Achei que era isso que ela queria.

- E ela quer, mas está com medo...

- Medo do quê?

- Medo do que lhe espera do lado fora. Quando ela sair pelo portão, a realidade vai tomar conta dela e é justamente isso que a está assustando. Ivy está com medo de não ser forte o bastante e ter uma recaída.

- Isso não vai acontecer. Ela tem amigos... Tem você...

- Mas eu não vou poder estar por perto.

- Ainda continuo sem entender o motivo da ligação.

- Eu queria saber se é possível que eu a visite...

- Você sabe que vai ter consequências, não sabe?

- Eu sei, mas estou disposto a arriscar...

- Por ela... — Não era uma pergunta.

- Sim, por ela.

- E vai contar a verdade? Vai dizer quem você é?

Demorei alguns segundos para responder. Eu sabia do risco que estava correndo quando Ivy descobrisse minha verdadeira identidade. Um risco muito alto que eu estava mais do que disposto a correr. Eu já tinha sua confiança, só teria que encontrar uma maneira de mantê-la depois da revelação.

- Sim. Eu vou contar quem eu sou.

- Por carta?

- Não, vou fazer isso pessoalmente, e por isso preciso da sua ajuda.

- Você sabe os motivos por eu ter concordado em te ajudar, não sabe?

- Sim, eu sei, e sou grato por isso. Vai me ajudar?

Outro momento de silêncio.

- Ok, eu vou te ajudar, mas não machuque a Ivy, ou você não vai ter um lugar para voltar, estamos entendidos?

- Isso soa como uma ameaça? — Perguntei tentando descontrair.

- Não. Apenas um aviso. Você sabe que tenho poder para isso.

- Eu sei.

- Ótimo. Dê-me algumas horas para resolver isso. Liga-me amanhã e terei uma resposta.

E desligou antes que eu pudesse agradecer.

Beleza, um problema já estava resolvido. Agora eu teria que esperar a resposta do meu amigo para depois contar a Ivy que finalmente nós iríamos nos encontrar.

Eu deveria estar calmo e feliz por que finalmente eu iria olhar em seus olhos e ver o quanto de mim poderia estar neles. Mas eu estava apavorado. O grande momento estava chegando.

Cartas para você - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora