1 - Perseguidas

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Devia encarar o medo, confrontar o que a apavorava, o médico insistia, e concordava, especialmente quando a própria loucura era o que mais temia. Um transtorno de ansiedade ou as vozes e visões infernais eram reais? Precisava pensar, Ayla tinha de pensar.

Apertou o casaco numa luta inútil contra o frio. Do topo da ladeira, cercada por edifícios abandonados, os faróis do carro apresentavam-se extremamente brilhantes em contraste com a escuridão a qual a envolvia, como dois pontos de luz brotados do chão, seguiam velozes pela rodovia há poucos quilômetros dali. A lanterna iluminava pouco adiante.

Onde estava Mirela? O que aconteceu? O médico diria se tratar apenas de crise de ansiedade e pânico. Besteira! Mirela tinha desaparecido no ar, e algo estava atrás dela, tinha certeza. Não havia postes públicos e as nuvens se desmanchavam em névoa sobre a cidade abandonada.

Mantinha-se afastada das calçadas estreitas e edifícios antigos, temia possíveis assaltos nas laterais. Os relâmpagos iluminavam a noite e as casas circundantes, muitas sem portas ou janelas, de telhados despedaçados, cascas grossas de gesso se desprendiam das paredes desbotadas, fantasmagóricas. A lanterna mirava para lá e para cá, focava de quando em quando nos entulhos amontoados por toda parte, no entanto, ficava a maior parte do tempo fixa sobre os paralelepípedos da rua. A aldeia não se apresentava tão tenebrosa ao chegar.

O vento uivava nos galhos desnudados pelo outono. E toda vez que a ramagem se sacudia perto dela, o coração descompassava e saltava à boca. Estava assustada demais para perceber as alterações na respiração. Arquejava de puro terror. Ofegava o desespero da solidão. Arfava os fantasmas aos quais Mirela jurou encontrar durante a investigação paranormal. Sufocava por nem saber para onde ia.

— Mirela! Mirela! Onde você está? Se isso é uma brincadeira, não tem graça nenhuma!

Passos pesados e ruidosos logo atrás a fez congelar de medo. Apontou a lanterna certa de que encontraria a colega de trabalho pregando uma peça. Contudo, não havia nada. Acelerou a marcha, apavorada, tropeçando nos entulhos. Saltava a cada estalo ou ruído esquisito emitido das casas vazias e decadentes as quais ladeavam o caminho estreito.

Era demais! Não aguentava mais! Apertou a bolsa, correu e virou na primeira esquina em direção a rodovia. O fedor empesteava o ar e a estreiteza da rua dava a impressão de que os prédios decadentes se fechavam feito arco sobre ela. Gritou por Mirela mais uma vez e ficou em silêncio no aguardo da resposta. Ouviu ruído semelhante ao bater de asas gigantes. Gigantes? Podiam ser morcegos, corujas, ou qualquer outra ave noturna, talvez estivesse imaginando, entretanto o coração disparou e as gotas grossas de suor escorreram sob as roupas.

Nem soube no que tropeçou, porém se estatelou. A lanterna escorregou alguns metros, assim como o frasquinho de comprimidos, lançado do bolso do casaco, saltitou e produziu o som semelhante ao chocalho. O pulso latejou, dolorido, por usar as mãos para amortecer a queda. De gatas enquanto lutava contra o choro e o desespero, a voz gutural e inumana chegou aos ouvidos.

E o Verbo Se Fez Carne  ⚠️Completo⚠️Onde histórias criam vida. Descubra agora