22 - Quando se Apaixona

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De várias cores e tamanhos, enroladas na única tamargueira do deserto, as serpentes despencavam dos galhos, sinuavam na areia dourada, amontoavam-se em rochas, iam e vinham em todas as direções

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De várias cores e tamanhos, enroladas na única tamargueira do deserto, as serpentes despencavam dos galhos, sinuavam na areia dourada, amontoavam-se em rochas, iam e vinham em todas as direções. Ayla sabia como o sonho acabava, repetia-se todas as noites desde o incidente com Bia. Logo surgiria, carregando um fruto escuro, desabaria da mão, rolaria até os pés dela e quando o pegasse, acordaria. Para então alucinar com serpentes em seu quarto, avançando pelo corredor e invadindo o aposento onde Beatrice estava desacordada.

Mesmo se repetindo por mais de uma semana e meia, as serpentes ainda a apavoravam, mambas verdes e negras, najas e cobras-reis, cascavéis e corais, pítons e jiboias, e tantas outras as quais nem sabia a espécie. Misturavam e embolavam como um espaguete peçonhento, e uma ou outra desnorteada sempre fazia questão de se aventurar em suas pernas. Nunca se aproximava da árvore, por medo das cobras, e também por respeito. Havia um quê de sagrado e misterioso em tudo. Serpentes e desertos eram forças primitivas e poderosas demais para desrespeitar.

E lá vinha ele, a areia escorregava entre os dedos dos pés, as gigantescas asas brancas emanando a pura luz, intensa e ofuscante. A aragem carregava o pó formando magníficas ondas douradas para encobrir a nudez como um véu cintilante. O cabelo negro como o fruto oferecido para Ayla, a astúcia pincelada de violeta no olhar mudo e os sussurros soprados desde tempos imemoriáveis rodopiavam e emaranhavam-se nos grãos dourados. As serpentes moviam-se e orlavam o caminho para seus divinos passos.

O anjo farfalhou as longas asas alvas. O zunido espantoso fez vibrar todo o corpo. Ayla esperou o rolamento da fruta pela fofura dourada até bater nos dedinhos dos pés, contudo não veio. Os brotos saltaram verdes, um aqui, outro ali, crescendo com o correr rápido do tempo, o compasso de um minueto, elegantes, espiralados e a pausa para a reverência. E as flores pulularam, vermelhas, amarelas, rosadas. Papoulas, orquídeas, bem-me-queres. E no meio de todo o colorido, zunido e vibração, de um brilho intenso e carmesim, a rosa de tamanho colossal reinou sobre todas as flores.

E Ayla se perdeu nas estranhas imagens, as rosas tocavam o nariz causando cócegas, a cortina farfalhava e o mar dos lumes de Andras se derramou sobre o buquê vermelho. O verso do cartão rebuscado demais, não se tratava de palavras simples em rimas fáceis, nem o sentimento por trás da metáfora entendível. Esfregou os olhos. Ainda estava sonhando? O que queria dizer com "emoções insalubres cabíveis aos seres luminosos somente"? E pior! O que isso tinha a ver com: "O amor é como granulados verdes no deserto produzidos por fusão nuclear, radioativo e mortal"?

— Desculpe te acordar, porém acabei de chegar e precisava te ver. Espero que goste de rosas.

Acordada no meio da noite por um buquê de rosas, o líquido turquesa do olhar espalhando-se como um mar calmo, versos rebuscados. Rebuscados? De toda forma, escritos a mão no cartão, a luz suave do abajur e o farfalhar manso da cortina.

— Não estou mesmo sonhando? — Apertou o plástico barulhento contra o peito e inalou o perfume das rosas.

— Não.

E o Verbo Se Fez Carne  ⚠️Completo⚠️Onde histórias criam vida. Descubra agora