3 - Liturgia

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O porão destoava em comparação a elegância da mansão

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O porão destoava em comparação a elegância da mansão. Os dedos escorregaram nas texturas rústicas da estrutura de tom bege envelhecido, enquanto descia os degraus largos em ardósia enferrujada. O cheiro de bolor misturava-se com a fumaça do incenso, do tabaco e da canabis. Descia ao submundo, decadente e desolado, encolhendo-se sob o teto baixo.

Beatrice e Gar trocavam olhares e sorrisinhos. E os indicadores se encostaram, como no quadro A Criação de Adão de Michelangelo. Não, o fundo não ostentava qualquer beleza, as paredes estavam abarrotadas de pixações, a maioria símbolos pagãos, pentagramas e cruzes invertidas, assim como minúsculos grafites em nuances do preto ao cinza, os quais retratavam cenas sexuais.

Por que os dedos se tocaram? Tentaram agarrar as mãos? Uma conversa silenciosa? Gar sorriu em pura sedução, e Beatrice colocou o cabelo atrás da orelha, despretensiosa. Consentiram com a cabeça. Não disseram palavras. Com o que concordavam? Um "eu já volto", ou "pode me esperar?", ainda "fica comigo essa noite?". Se conheciam? Acabariam juntos no final da noite, disso Ayla estava certa.

Os homens cobertos por robes negros acetinados, vestiam capuzes longos e máscaras, adornados com colares prateados que alçavam pingentes simbólicos e grandes, receberam Gar. Aglomerados entre os instrumentos sobre o tablado no fundo do porão, entregaram ao moreno o traje peculiar.

Embora as máscaras os ocultassem, os olhos estavam visíveis, e todos se voltavam para a maluca de calcinha e camiseta debruçada no balcão a procura de bebidas. O bar de alvenaria combinava com a escada e as espadas penduradas nas paredes, um misto de decadência moderna e elegância medieval.

Beatrice estava à vontade como se o ambiente fosse familiar, não obstante não cumprimentou ou falou com ninguém, exceto o contato singular com Gar. Munida de outra garrafa, vinho dessa vez, sentou-se ao lado de Ayla no sofá velho e fedorento, tão decadente quanto tudo, tampouco a espuma amortecia ao corpo, como se estivessem sentadas em uma tábua.

Oito deles, contou bem. Aceitou beber por primeira vez do vinho oferecido por Beatrice, praguejava enquanto secava a bebida derrubada sobre as coxas, talvez estivesse embriagada afinal. Estar longe do palco e próxima a escada deixava Ayla confortável.

Uma das guitarras gritou num lamento metálico. Ayla queria se convencer se tratar da apresentação de uma banda de rock, não dava para saber se o ritual mencionado por Gar seria uma metáfora. Os roqueiros eram cheios de esquisitices, se não se cressem guerreiros retirados dos tempos medievais, acreditavam ser os magos modernos. Não tinha nada contra, o mundo precisava de gente rebelde e revolucionária, entretanto não se encontrava em seu ambiente, não estava nem a vontade e nem animada.

A noite evocava certa melancolia, Mirela estava morta, porém o medo a impedia de deixar o lugar, avisar a família, se envolver com a polícia. O que diria para eles? Que viu a amiga ser morta por um demônio? Ou pior, levar Beatrice para testemunhar? Beatrice? A bruxa biruta, fumando dois cigarros ao mesmo tempo, um lícito e outro nem tanto, entornando o vinho como se fosse água, com a cara preta, de camiseta e calcinha? Ambas seriam levadas para o hospício tão logo pusessem os pés na delegacia.

E o Verbo Se Fez Carne  ⚠️Completo⚠️Onde histórias criam vida. Descubra agora