Eram vinte e duas da última vez que chequei, agora já mostravam quatro números zero e, mais tarde, provavelmente três da manhã. Não era uma questão de insônia, entretanto, mas o puro hábito de procrastinar até não ter outra escolha além de fechar meus olhos desgastados e só abrí-los na metade do dia seguinte para repetir o ciclo de negligência comigo mesma, em termos divertidos "me levando pro buraco". Definitivamente não era falta do que fazer, também. Duas avaliações finais me aguardavam naquela semana para encerrar o semestre acadêmico finalmente, mas a mania de empurrar afazeres com a barriga e alucinar sobre a inexistência de datas e prazos me conduzia ao declínio, e eu deixava.
- Vou fazer xixi, espera aí - sussurrei ao telefone.
Me esgueirei pela quina da cama para pôr os pés no chão sem ter que me levantar, completamente preechida pela preguiça e preocupada com a possibilidade de acordar os meus pais com os estalos da cama velha. Caminhei descalça pela cerâmica fria enquanto iluminava o trajeto com a lanterna do celular até alcançar a cozinha. Fiz carinho em Sagwa, que miava em protesto contra a luz forte apontada para si sobre uma cadeira.
O interruptor do banheiro fazia muito barulho, então o usei no escuro e me poupei da visão desastrosa de meu reflexo cansado no espelho enquanto Sagwa me esperava no espaço da porta entreaberta, bocejando.
Vasculhei pelo armário atrás de qualquer besteira pra mastigar, catei um último pão do saco e me servi uma caneca do café frio que fora feito durante a manhã, retornando para o quarto com meu lanche e com Sagwa entre meus pés.
Deixei a comida sobre a cama e deitei com cuidado para não derramar nada. Em cima da cômoda já contava-se dois copos, tinha esquecido de levá-los de novo, faria isso amanhã. Chequei o celular, a ligação tinha sido encerrada, mas não retornei porque ele precisava dormir, apenas mandei Boa noite no chat, abri um aplicativo qualquer e comecei a comer.
Só por volta das uma e quarenta, com olhos secos e coluna dolorida, bloqueei a tela do celular e me conformei com a tarefa de dormir. Tranquei a porta do quarto, soltei o cabelo, tirei os óculos e a roupa e deixei tudo sobre a cabeceira da cama para então tentar, de calcinha e meias, revigorar alguma força que me restava.
Por sorte o sono não custou a me atingir, e fui maravilhosamente consumida pela sensação de flutuar para longe, devagar, livre de qualquer peso, como se estivesse literalmente viajando, com enjoo e tudo, o que era estranho. Eu ia vomitar? Minha cabeça doía e meu corpo estava dormente. Comecei a sentir medo, meus olhos não abriam e meu coração batia muito forte. Uma paralisia? Efeito da privação de sono?
No fim aparentemente eu estava apenas adormecendo, e talvez só estivesse surpreendentemente desacostumada com o sono, porque consegui desfrutar de uma noite impecável que acabou por renovar minhas energias, o que me deixou aliviada ao acordar cheia de disposição para apreender o conteúdo das avaliações.
O que eu não consegui explicar, apesar disso, foi a estranha textura que meu colchão adquiriu de manhã e a luz forte esquentando o meu rosto, como se eu estivesse exposta ao sol e deitada sobre folhas secas que me cutucavam. Ainda estava sonhando? De qualquer modo, voltei a dormir agradavelmente.
- Puta merda!
Alguém gritava de forma abafada ao mesmo tempo que próxima demais.
- Jesus cristo, o que é isso, um corpo?
- É um cadáver? - outra pessoa indagou, quase chorando.
- Que merda - mais um resmungou.
Senti um deles se aproximar demais e inconvenientemente do meu rosto, me analisando. Não entendi tudo do que ele disse mas o ouvi constatar que eu estava respirando assim que pousou a mão abaixo do meu nariz, me fazendo contrair o rosto ao sentir um cheiro forte de metal.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Glimpse Of Us | Eddie Munson
FanfictionPode o amor resistir ao tempo? "Contemplei a loucura na qual eu estava metida: agora os dois Eddies estavam na mesma realidade e se encontrariam em breve, eu não tinha sido capaz de escolher só um deles e agora beirava uma hipotermia depois de me af...