A Glimpse Of Us | Eddie Munson

Too close (pt 1)

Durante duas décadas de minha vida sem graça eu fui obediente, uma boa aluna, uma boa filha e tentei ser razoável em todo o conjunto de tarefas que nos são designadas assim que nascemos. Ao longo desse processo de servir e me mover com base em olhares alheios eu deixei de prestar atenção no que mais importava e tive minha própria identidade afastada de mim, ao ponto de não conseguir me descrever tão bem quanto fazia com outras pessoas, inclusive Eddie, que havia acabado de conhecer.

Por isso agora eu estudava com detalhes as roupas usadas estendidas sobre o chão, procurando por mim finalmente depois de ter existido ali com qualquer coisa só para não andar pelada, buscando pela Marilyn que eu havia perdido e fazendo daquela jornada a oportunidade perfeita para me reconstruir.

- Ok, vamos dar uma de Phoebe Buffay - eu disse esfregando o tecido fino da saia estampada que me cobria até o joelho para desamassar. - mesmo que ela nem exista ainda.

É claro que eu não tinha muitas opções ao meu dispor, mas dentre as poucas que me agradaram acabei me encontrando em saias e vestidos leves e uma única sandália transparente que deixava minhas meias à mostra - a única coisa realmente minha que eu usava. Além destes só um suéter, camisas masculinas e um batom coral que encontrei e já estava usando.

- Você é oficialmente uma ladra - proferi para mim mesma, apesar de animada com o guarda roupa "novo".

Calcei a sandália ainda usando a camisa frouxa do meu namorado e encontrei um elástico qualquer com que amarrei o cabelo num rabo de cavalo. Tive o cuidado de vestir peças referentes a gavetas marcadas com anos mais distantes, para garantir que seus donos não estivessem mais ali para reconhecer. Dobrei tudo novamente e guardei as demais, só me restando sentar e esperar que desse a hora do intervalo para meter o que eu tinha pego na mochila de Eddie.

Observei minhas pernas estendidas sobre o chão e sorri sozinha reconhecendo a sorte que dei de não ter sido flagrada ali, também percebi que me sentia muito melhor com saias hipster do que com os croppeds e fast fashion da minha época, então levantei me sentindo invencível e decidi explorar a escola - antes disso escondi as roupas numa bolsa de ombro qualquer para poder carregar elas por aí.

Visitei a biblioteca e olhei entre os livros procurando por algo familiar, mas que eu gostava muito de ler eu já tinha consciência, então em vez de tentar pegar algum livro eu dei alguns passos na direção da responsável pelo lugar, com sede de mudança.

- Com licença - eu disse para a mulher do balcão. - a senhora tem uma tesoura?

- Não devia estar em aula? - ela nem se deu ao trabalho de olhar pra mim.

Hesitei um pouco antes de responder.

- Visitante - disse simplesmente e ela desconfiou. - universitária junior.

- E pra quê quer uma tesoura? - ela levantou o olhar até meu rosto e depois mirou o meu busto. - não tem crachá.

- Oh, não é nada oficial, eu só estou acompanhando uma amiga - menti, a mulher repetiu "amiga?". - Chrissy Cunningham.

Torci mentalmente que Chrissy fosse uma frequentadora dali, bibliotecárias têm grande apreço por alunos leitores, mas sem receber uma resposta imediata eu tentei inventar mais alguma coisa.

- Estamos fazendo confete orgânico com jornais velhos, para depois do campeonato - eu sabia que tinham jogos o tempo inteiro e lembrei que Chrissy era líder de torcida. - foi ideia dela, você sabe, pra não dar trabalho pros funcionários e evitar poluição.

A senhora me olhou e se convenceu depois da última parte, me entregando a tesoura e pedindo que eu devolvesse antes do fim do intervalo e avisasse a Chrissy que o prazo de entrega dela estava próximo. Concordei e mentalizei as palavras "ladra e mentirosa" após isso, então o sinal tocou na hora certa e acenei antes de sair depressa, mas ouvi alguém me chamar poucos passos após emergir no corredor, estava preenchida de nervosismo por estar fazendo algo diferente do meu costume e demorei a me virar.