Ruiva escrava

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Um grande engenho de cana-de-açucar, que se estendia por boa parte de Salvador, dominava grande parte de terra, os canaviais eram enormes e para cuidar de tudo era necessário a força de milhares de negros escravos, que valhiam muito mais do que se pode imaginar.
Ao longe o corsário português se aproximava, trazia consigo uma grande quantidade de negros que seriam vendidos ao dono do engenho, Helena estava entre eles e também seria vendida, afinal, não lhes possuia mais valor, era apenas uma garota que serviu para atrair os homens de Sanchez para a nau que seria bombardeada.
Em pouco tempo o negocio entre o senhor do engenho e os corsários se estabeleceu, muitos negros foram comprados e junto deles foi Helena.
Poucos eram os negros que falavam português, Helena os ensinou durante a viagem de návio desde a costa Africa até a terra nova, pois esta sabia falar português, já que sua familia adotiva vivia em Portugal antes de se mudar para a Espanha.
Aos poucos Helena foi cativando os negros com sua bondade, foi levada para a casa grande onde trabalharia como cozinheira e limparia a casa junto de outras duas mulheres.
Havia uma criança entre os negros que ganhou boa parte do afeto e carinho de Helena, era apenas uma criança de dez anos, mas que Helena o considerava como filho, sempre que podia a ruiva saia para os canaviais para ver o garoto.
As noites frias os negros se reuniam na senzala e Helena os contava histórias, contava-lhes sobre a vida de pirata, sobre a vida na Espanha ou em Portugal, os negros lhe contavam outras tantas, ensinavam-lhe a religião, a cultura, a lingua e os costumes.
Antes do amanhecer A ruiva partia para a casa grande onde preparava o café da manhã junto de Maria e Luiza, as três, apesar da diferença etnica de cada uma se tornaram boas amigas.
Maria era descendente de uma escrava e de um homem branco, sua pele não era escura como a noite, porém não era clara como marfim.
Já Luiza, que recebera esse nome assim que pisara em terra, era filha de um rei africano, cujo reino fora destruido por outro reino e os moradores vendidos para os portugueses.
O senhor de engenho e sua familia acordaram e logo estavam à mesa, o silêncio reinava no ambiente, o filho do casal era calado e parecia criar uma barreira entre ele e os escravos, uma barreira tão grande que não ousava dizer nada perto dos escravos.
-Com licença, iremos nos retirar para arrumarmos vosso lar - disse Helena enquanto saiam as três da sala de jantar.
-Espere, garota ruiva, venha até aqui, as outras duas podem ir - ordenou o senhor de engenho e Helena se aproximou - quero que ensine ao meu filho falar espanhol e não aceito não como resposta.
-Claro, senhor, ensino com prazer.
-Todas as noites o ensinara a falar espanhol, ele é meu primogênito e logo terá de assumir estas terras e negociar com os espanhois.
-Claro, será uma honra ensiná-lo.
Helena curvou-se sutilmente e com um baixo "com licença" se afastou, seguiu em direção à sala de estar onde Maria e Luiza estavam a arrumar as coisas.
A ruiva começou a varrer enquanto Maria tirava o pó dos moveis e Luiza ajeitava a estante de livros.
Em pouco tempo a sala estava arrumada, seguiram então para os quartos e permaneceram nesse ritmo até o almoço, onde prepararam a comida.
Mais a noite haveria um pequeno encontro entre os negros, uma pequena roda havia se formado e entre eles estava Helena que observava encantada os homens jogando capoeira e cantando.
Os negros abaixavam-se e andavam em circulos, as pernas giravam no ar, fazendo uma meia lua, saltos eram dados e aos poucos todos batiam palma no ritmo da batida do tambor e cantavam alegremente, como se ainda estivessem em suas terras.
Um dos homens se aproximou de Helena e a levou para o meio da roda ensinando alguns golpes e a gingar, a ruiva aprendeu com certa dificuldade, não havia tanta flexibilidade nem agilidade.
Fora apenas poucos dias que Helena se encontrava no engenho, no máximo uma semana, mas todos a adoravam, tinham a ruiva como uma protetora e conselheira, uma amiga.
A garota havia aprendido um pouco sobre a cultura negra, ia todos as noites se encontrar com eles e observar os jogos de capoeiras e rezas que faziam, conseguia compreender boa parte do que eles cantavam e diziam.
Porém fora levada pelo senhor de engenho a casa grande, fora proibida de ir para a senzala e entrar em contato com os negros, suas obrigações haviam mudado, agora teria que tomar conta exclusivamente do filho do senhor, ensiná-lo os costumes europeus, o idioma e até mesmo matemática e português.
Em uma de suas aulas a ruiva se esforçava para ensinar o prqueno garoto a falar espanhol.
-Yo me llamo Helena y tu? - perguntou Helena em uma das primeiras aulas de espanhol para o filho do senhor.
-Yo...
-No, tu tiene que hablar y con j, yo - repetiu a ruiva calmamente.
-Y-yo... - falou o garoto olhando para a ruiva e desviando o olhar logo depois - yo me llamo Ricardo.
-Muy bien - Helena acariciou-lhe os cabelos negros e sorriu - tem se saido muito bem para suas primeiras aulas.
O garoto sorriu e suas bochechas se avermelharam levemente, fora a primeira vez que havia sido elogiado por algo.
A aula prosseguiu por mais algumas horas, Helena tentara tornar tudo mais pacifico e amigável possivel, criando um pequeno e quase imperceptivel laço de afetividade.
-Dona Helena... - sussurrou o garoto enquanto seus olhos escuros percorriam o quarto e os papeis rabiscados sobre a mesa.
-Solamente Helena.
-Helena... Eu... Queria lhe perguntar... Como veio parar aqui?
-Eu fui raptada e levada para um návio pirata, lá passei por muitas coisas que não vem ao caso ressaltar, conheci três homens que se tornaram minha familia en alto mar, o capitão Sanchez, ele era gentil, me protegia, era como um pai, Chad era meu conselheiro, meu amigo, meu irmão e tinha Henrique... Ele era... Diferente... Bem, certo dia fui levada por outros homens, me usaram como instrumento para atrair os três para um návio que seria despedaçado assim que entrassem... Eu os vi entrar, vi quando o canhão atirou e a bola atingiu a navegação, apenas destroços flutuando...
O garoto sentou-se no chão e se aproximou de Helena, sua cabeça repousou nas coxas da ruiva.
-Fui trazida para cá, fiquei trancafiada por dias dentro daquele porão, não havia quase comida ou àgua e o pouco que tinha era dividido por todos que estavam lá e devo dizer que eram muitos, me tornei escrava e fui vendida para seu pai, agora estou aqui lhe ensinando espanhol.
-E eles morreram? Sua familia? - perguntou o garoto bocejando.
-Creio que sim... Bem, já está na hora de dormir, vamos - Helena esperou o garoto levantar do chão e o pegou em seu colo, logo o deitava na cama e o cobria.
-Boa noite, Helena - desejou o garoto - eu vou pedir pro homem lá de cima cuidar da senhora, porque a senhora é tão boa que não deveria passar por tudo o que já passou.
-Eu vou agradecer por ter conhecido um menino tão gentil quanto você - Helena abaixou seu rosto e beijou-lhe a testa suavemente, seus olhos ardiam com as lágrimas que queriam escorrer por seu rosto pálido - boa noite.
A ruiva demorou-se mais um pouco enquanto observava a respiração do garoto desacelerar e se tornar ritmada e calma, apenas saiu do quarto quando teve certeza que o moreno dormira.
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Devo admitir que chorei um pouquinho com essa cena final entre Helena e Ricardo, usar crianças no decorrer da narrativa está sendo um novo desafio que estou adorando.
Espero que tenham gostado e obrigada a todos que leram e deixaram os comentários.
Até o próximo cápitulo e se quiserem tenho outros livros sendo publicados aqui no wattpad.

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