Por ela

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Henrique carregava parte da colheita em seu lombo, percorrendo o quilombo por completo até chegar ao local onde o zumbi se encontrava, colocando a comida à seus pés.
Os piratas trabalhavam com afinco, mas o calor da região era insuportável e o cansaço os dominava, deixando-os irritados uns com os outros.
-Não sei porquê fazemos isso por causa de uma garotinha - esbravejou um dos homens jogando tudo o que carregava no chão - podemos achar outra puta para vocês se enfiarem mais rápido do que se ficarmos aqui dependendo desses negros.
-Não torne a falar de Helena dessa forma - gritou Henrique se aproximando do homem com as mãos em punho prestes a socá-lo.
-Calma, garanhão, sem violência - Chad colocou-se entre ambos e ergueu os braços em forma de rendição - estamos aqui em paz para resgatar a Helena e não para nos matarmos.
-Esse desgraçado chamou Helena de puta, não posso perdoar assim tão fácil - Henrique passou por Chad e deu um soco no rosto do homem que menosprezara Helena - não torne a chamá-la assim novamente.
O homem pulou em cima de Henrique e os dois cairam no chão, um soco forte foi dado contra o rosto do moreno enquanto este desferia uma joelhada no estomago do homem.
Chad tentou impedi-los, porém fora inútil e os dois continuaram a esmurrar-se no chão de terra.
O cheiro e o gosto metálico de sangue preenchia o nariz de Henrique, assim como sua boca, mas aquilo não o importava, não iria permitir que ninguém falasse de Helena assim.
-Estamos aqui a semanas por causa dessa garota e você ainda quer defendê-la? É realmente um estúpido - o homem deu-lhe outro soco contra o queixo e Henrique soltou uma baixa exclamação de dor.
-Ela é uma de nós, não deixamos companheiros para trás.
-E deixamos companheiros morrer de fome enquanto vamos salvar uma garota? Isso é loucura.
-Parem com isso, parem de agir como crianças mimadas - o capitão Sanchez surgiu e segurou os dois jovens pelos braços - o que deu em vocês dois para brigarem como animais?
-Pai... - Henrique tentou se explicar, porém foi fuzilado com o olhar ameaçador do capitão.
-Se não quer continuar aqui para salvar Helena então pode partir, Gonçalvez - o capitão soltou o braço do homem e esse o encarou com raiva no olhar.
-É isso mesmo que irei fazer, adeus pra vocês - o homem, agora nomeado Gonçalvez, se afastou a passos rápidos ignorando os negros que tentavam impedi-lo de escapar.
-Deixe-o ir, ele não fará falta mesmo e vai morrer no meio do caminho de toda forma - comentou o zumbi andando pelo quilombo - digam mais sobre essa tal Helena que tanto falam.
Os três piratas ficaram em silêncio por alguns segundos procurando a palavra certa para descrevê-la, mas por mais que pensassem não conseguiam achar a palavra certa.
-Ela é um anjo, a filha que perdi junto com minha esposa - o capitão fora o primeiro a se pronunciar, sua voz soou suave e grave.
-Ela é a gentileza em pessoa... tão bonita, por fora e por dentro, ela é... Especial - Henrique encarou o negro a sua frente e se aproximou - preciso encontrá-la.
-Não será tão fácil assim, o lugar é grande e tem muitos engenhos por estas bandas, é perigoso, inclusive para nós - o negro apontou para os arredores do quilombo.
A alvorada chegou, trazendo consigo muitos passáros pequenos que cantarolavam alegremente nas arvores próximas ao quilombo, os homens ainda trabalhavam e as mulheres preparavam a comida para todos, as crianças corriam pelos arredores rindo e se divertindo até que um negro apareceu por ali correndo e gritando.
-Mais negros estão vindo, eles estão vindo - gritava o homem enquanto suas pernas o levavam até o zumbi - mais de dez homens e cinco mulheres, provavelmente duas crianças.
Todos os negros do quilombo entraram em alvoroço e os piratas não sabiam o que fazer, podia-se ver o brilho nos olhos dos negros, um dia irão vir de libertar-se das correntes e dos chicotes para sempre, assim como viviam em sus reinos na África.
Dois homens negros chegaram, a respiração ofegante e o coração acelerado, foram recebidos pelo zumbi com um forte abraço e os dois foram levados para perto da fogueira enquanto os outros negros fugitivos iam chegando.
Ao todo eram onze homens, quatro mulheres e nenhuma criança, o homem que os contara antes sentiu-se decepcionado por ter errado em sua suposição.
-Quantos vieram com vocês para cá? - o lider dos quilombolas observou os negros que haviam chego.
-Apenas nós e mais um pequeno grupo de quatro pessoas que acabou ficando para trás - uma das mulheres se pronunciou, os cabelos longos e cacheados cobriam-lhe a face e seus olhos escuros como a noite percorriam a mata por onde haviam saido, esperando alguma movimentação no local.
Porém nada aconteceu, a mata continuava silenciosa, a grama baixa por onde haviam passado, os passáros haviam voado para longe com a movimentação exacerbada no local.
-Onde eles estão?
Os negros balançaram a cabeça negativamente e de entre olharam, ninguém sabia a resposta e aquilo era frustrante, principalmente para os que acabaram de fugir.
Henrique sentiu seu voração acelerar, como se estivesse presentindo algo ruim acontecer, seus pés o guiaram até próximo ao local por onde o negros entraram, mas não viu nada além da escuridão da noite que se chegava de mansinho.
O zumbi o observou por um tempo, mas de passado pouco mais de cinco minutos cansou-se de observar o homem e voltou sua atenção para os negros, notou que boa parte destes estavam feridos e o sangue ainda escorria por seus corpos.
-Preciso de nossos curandeiros, aqui e agora - os negros quilombolas começaram a se mover, alguns entraram nas matas e outros três se aproximaram do grupo observando os ferimentos.
Metade de um coco vazio foi entregue aos curandeiros, junto com folhas e ervas e uma pequena estaca de madeira, as ervas foram macerradas até formarem uma pasta viscosa e gosmenta que fora passada nos ferimentos de todos e cobertos por folhas.
-Obrigado por cuidarem de nossos ferimentos - agradeceu um dos homens abaixando a cabeça como forma de respeito.
Os negros juntamente com os piratas rodearam a fogueira para comer, um silêncio se instalou enquanto comiam, um certo pesar envolvia o local, um sentimento funebre rodeava a todos.
Era como se alguém tivesse morrido, um ente querido e muito amado, o sofrimento se estampava na cara dos negros, não que não estivessem felizes com os novos companheiros, mas sentiam-se tristes por aqueles que não conseguiram escapar e imaginar o que poderia ter acontecido com eles era assustador.
O suposto jantar prosseguiu silencioso, apenas os sons dos grilos e outros animais ao longe eram ouvidos, o som natural de vida e efervecência da mãe natureza era vivido naquela região separada por poucos quilometros de grandes engenhos.
Era nítida a diferença entre os engenhos e o quilombo, os negros viviam próximos à natureza, colhendo e plantando para sua própria subexistência, não precisavam de mais nada, ali eram livres e eram acima de tudo humanos, algo que não eram quando estavam sendo utilizados como escravos, como mercadorias.
O vento uivou e soprou diminuindo as chamas da fogueira levemente, mas essa tornou a se erguer de forma majestosa e imponente.
-Minhas esperanças de encontrá-la estão se esgotando - comentou Chad soltando o ar lentamente enquanto seus olhos focavam-se no fogo à sua frente.
-Eu não vou desistir, não mesmo - o moreno de olhos escuros fechou as mãos em punho, seus olhos haviam escurecido levemente e o ventou bagunçou-lhos cabelos.
-Henrique, estamos aqui trabalhando como escravos por mais de uma semana, quase duas, nem ao menos sabemos se teremos o návio para voltar ou se vamos voltar.
-Nós vamos voltar, isso é fato e vamos encontrá-la, nem que tenhamos que voltar à nado, eu só preciso dela comigo, como jamais precisei de alguém...
-Henry...
-Sei que o que fiz não foi muito honroso, muito menos gentil, mas eu gosto dela, de verdade, como nunca gostei de ninguém antes, você sabe como é?
-Entendo perfeitamente, já senti isso e esmagaram meu coração como se fosse um pedaço de papel usado e rasgado - Chad levou uma de suas mãos até o ombro do amigo e lhe sorriu sutilmente - durante esse tempo em que estivemos aqui eu pensei bem sobre o que sentia por Helena, pensei em nossa amizade e em minha vida, não quero essa vida para mim, pelo menos não para sempre, quero uma família, um lar para voltar, filhos para abraçar e uma mulher para chamar de minha...
-Chad eu...
-Não terminei ainda... Eu sei que essa mulher não é Helena, não sou otário, sei quando devo desistir, vejo como ela te olha, e sei o que sente por ela, então, por nossa amizade e por meu amor à Helena eu vou retirar-me dessa competição, ela ficara mais segura com você.
-Segura... Chad o que você está insinuando? Você vai largar o barco assim?
-Henry... eu não nasci para ser um pirata como você ou até mesmo seu pai, eu sempre quis ter uma família, a família que nunca tive e agora eu posso recomeçar, quando voltarmos para a Espanha eu os deixarei...
-Eu... vou sentir sua falta, otário - Henrique puxou o amigo para um abraço - obrigado e desculpe... sei que deve ser difícil para você tomar essas decisões e deixar tudo para trás...
-Existem certos momentos da vida que temos que deixar de querer mudar o mundo e mudarmos a nós mesmos, e esse momento chegou para mim, foi mais rápido do que eu esperava, mas não importa.
Um chiado foi ouvido no meio da mata e todos os olhares se voltaram para as folhas que se moviam, os homens se levantaram prontos para atacarem o inimigo, porém não eram homens brancos com armas que sirgiram por entre o verde das folhas.
-Helena?
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Oi oi meus amores, provavelmente terão mais dois ou três capitulos dos nossos amados no Brasil, mas muitas coisas estão por acontecer.
Estou começando um novo projeto chamado "vidas paralelas", é bem diferente de "seja meu anjo", trazendo temas como loucura, literatura, paixões, assassinatos e prostituição como temas principais, espero que possam ler.

Seja meu anjoOnde histórias criam vida. Descubra agora