Capítulo 2

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"você vai entender"


Depois de ter beijado uma menina e envergonhado sua família, Matilda sabia que nunca mais teria aquele carinho de seus pais. Ela só não imaginou que seria tão difícil.

Seu melhor amigo morreu justo na época que mais precisou. Ele era um vira-lata caramelo chamado "Manhoso". Depois dos dias de solidão em seu próprio quarto, ela vivia ao lado dele porque não era bem-vinda em casa. Conversava e tentava entender onde tinha errado.

Foi por ter beijado em um banheiro da escola ou por ter beijado uma menina? Qual era exatamente o motivo pra ser tratada daquele jeito?

Ela passou as férias com esses questionamentos e com seu cachorro, porém ele a deixou.

Ela chorou, chorou muito. E de novo, voltou para aquele ciclo. Solidão e pensamentos suicidas.

No ano seguinte, conheceu uma menina maravilhosa, se tornou sua amiga facilmente. Era boba, ria do vento e não calava a boca. Também era péssima em matemática, e Matilda a ajudou em todas as lições possíveis. O nome dela era Maria.

Na verdade elas eram um trio. Matilda, Maria e Julia. Tinham 13 anos e uma grande curiosidade do mundo. Julia era mais mente aberta para aquela época, tinha o desejo de perder a virgindade antes dos dezesseis. Maria e Matilda ficaram em choque, e por isso Matilda resolveu compartilhar uma situação curiosa que aconteceu consigo nas férias.

"Matilda sente alguém tocando sua perna e chuta as mãos da pessoa pra longe.

- Você tem força.

- Se tentar fazer algo comigo de novo, eu vou gritar! - Matilda diz, assustada.

A pessoa se afasta e fecha a porta do quarto deixando-a sozinha. Matilda se sente segura e em paz pra dormir, conseguiu ser forte pra impedir que tocasse em seu corpo.

...

- Eu fiz aquilo enquanto dormia. - Seu primo diz sorrindo.

Matilda ainda estava atordoada por ter acabado de acordar e ter visto sangue em sua calcinha sem nunca ter menstruado."

- Isso não é estupro? - Maria perguntou.

- O que é estupro? - Matilda perguntou confusa.

- É quando alguém força uma relação sexual com você, mesmo você não querendo.

E ali ela entendeu que tinha sido estuprada. Foi covarde o que fizeram com ela. Foi doentio. Ela tinha treze anos e estava dormindo. Como poderia se defender? Mas ainda não havia caído sua ficha, ainda achava que a culpa foi sua por não ter trancado a porta. Portanto, não foi estupro.

O tempo passou e um menino a fez sentir tudo de novo. Aquela vontade de ser feliz ao lado de outra pessoa, a paixão e os sorrisos bobos.

Matilda ficou confusa. Gostava ou não de meninas? Aquilo tudo foi só uma ilusão? Como poderia gostar de meninos E meninas?

Ela não entendeu, e fingiu por muito tempo que essa confusão não existia só pra tentar aproveitar os momentos ao lado do menino.

O nome dele era Henrique. Era protetor, a abraçava sempre que a via, além de sorrir lindamente. Sentava ao lado dela na sala e a fazia sorrir com as suas bobagens. Matilda se sentiu bem de novo.

Achou que fossem namorar - talvez Matilda fosse emocionada demais nessa época ou apenas se entregava muito rápido.

O namoro não aconteceu. Nem tinha bases sólidas para acontecer.

Ela reparou comportamentos que não eram tão legais, ele a tratava da mesma maneira que tratava outras garotas que queria beijar. Ela não se sentiu única e se afastou.

Uma amiga próxima resolveu conversar com ele tentando juntá-los, e obviamente Matilda tinha uma chama de esperança dentro de si.

"Eu jamais ficaria com alguém igual a ela."

Foi difícil escutar isso. Ela deu um sorriso forçado e voltou aos estudos. Chegou em casa e novamente ficou pensando.

O que eu tenho de errado?

Olhou pra si mesma no espelho e odiou o que viu.

Era magra, quase não tinha peito ou bunda - o que chamava atenção de meninos. Matilda não tinha um corpo bonito pra oferecer. Tomou vitaminas e foi em diversos médicos, nada a fazia engordar. Matilda queria chamar a atenção dos meninos, Matilda queria ser apreciada como eram as outras meninas, Matilda queria que a achassem bonita.

Ela acompanhava influenciadoras e almejava aqueles corpos. Sem marcas. Sem pelos. Magra com curvas. A pele perfeita. Matilda era inocente demais pra entender que existia cirurgias e filtros que podiam alterar tudo em uma foto. Ela tinha treze anos e aprendeu a odiar seu corpo naquele ano.

A menstruação chegou e com ela piorou o que já estava ruim. Ela sentia cólicas fortes e começou a tomar remédio. Os hormônios do anticoncepcional a fez inchar, a fez ter estrias e celulites e trouxe espinhas para seu rosto. Se antes ninguém a amaria, agora muito menos.

Henrique, que até então tinha se afastado, ressurge. Volta a conversar com Matilda totalmente mudado, ela não entende e continua a amizade. Ele a fazia rir.

Amigas comentam do corpão de Matilda. Dizem que ela está mais linda e que ficará mais linda ainda. O anticoncepcional a fez ser mais encorpada e o seu desejo se realiza.

Agora os meninos vão amá-la.

Em uma conversa aleatória, Henrique a irrita, pega seu estojo a fazendo correr atrás dele. Quando estão frente a frente, Matilda fica na ponta dos pés e consegue pegar, porém no mesmo segundo sente um tapa na sua bunda.

Fica em choque. Confusa.

Ela simplesmente se afasta. Deveria ter gostado? Ela não deveria se sentir amada?

E foi aí que entendeu. Era só um corpo.

Antes não queriam ficar consigo porque era muito magra e "sem nada" pra oferecer, agora queriam ficar com ela porque ela tinha bunda. Não estavam dispostos a amá-la, queriam usá-la.

Era só um corpo. Um meio do outro sentir prazer e se satisfazer. Jamais a veriam de outra forma, não tinham interesse na sua personalidade. Ela só seria apreciada se desse o que eles queriam.

E, por Deus, ela queria tanto ser amada.

Eu jamais ficaria com alguém igual a ela.
Eu jamais ficaria com alguém igual a ela.
Eu jamais ficaria com alguém igual a ela.
Eu jamais ficaria com alguém igual a ela.
Eu jamais ficaria com alguém igual a ela.
Essa frase ecoava na cabeça de Matilda.

"igual a mim...?"

MatildaOnde histórias criam vida. Descubra agora