Capítulo 17

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"ilha"

Os dias se passaram.

Matilda continuava com a mesma rotina: acordar, escovar os dentes, tomar café e arrumar a cama. Depois se preparava para fazer o almoço - já que a mesma quem fazia para seu pai comer. Tudo normal.

Se isolava no celular e tentava esquecer que o mundo a sua volta existia.

A pandemia ainda estava lá. Milhares de pessoas morriam e o Presidente da República continuava com o discurso antivacina e com muito negacionismo.

Era nojento.

Matilda sentia um pouco de sua saúde mental ir para o fundo do poço sempre que via algo de política ou saúde. Ela sentia a raiva dentro de si querer explodir quando escutava as palavras de seu pai. E, talvez, ela tivesse problemas de raiva que deveriam começar a serem controlados.

Tudo voltou a ser como antes. Discussões atrás de discussões; morte passando desenfreadamente na televisão; caos político, econômico e de saúde; confusão dentro da própria cabeça de Matilda e ela novamente sozinha.

Calma! Corrigindo... quase tudo estava igual.

Matilda agora tinha Julia. Elas tinham se aproximado mais nessas últimas semanas.

Quando algo ia mal, corria para Julia.
Quando algo ia bem, corria para Julia.
Em qualquer ocasião, corria para Julia.

Ela estava sendo seu conforto, a sua ilha.

Deu inúmeros conselhos em relação ao último namoro, fez até piadas dizendo que o namoro de Matilda não parecia real.

Matilda riu, porém só ela sabia os motivos de não ter tentado dar um passo a mais. Ela sempre sentiu medo. Sempre sentiu medo de demonstrar demais, sempre sentiu medo de encostar em Heloísa e ela não gostar. Isso não era óbvio? Só era lembrar o que tinha passado, o quanto sofreu com o primo e tio. Ela sentia medo!

Heloísa também não é isenta de erros, não conseguiu demonstrar através de palavras por vergonha de se expressar. Isso era tão necessário para Matilda que na época era insegura.

Todos erram, não é alguém de fora que conseguirá opinar. Matilda riu e não se importou em explicar. Não era necessário, as vezes algumas informações só não necessárias.

Matilda tinha se aproximado muito de Julia nos últimos dias. Elas eram carne e unha, não se desgrudavam - por mais que fosse só pelo celular.

Era até cômico a forma como se conectaram tão rápido, como se conheceram e davam um jeito de se conhecer mais a cada minuto. Além de confiarem uma na outra muito rápido também.

Foi uma conexão instantânea.

Julia logo no começo disse que faria Matilda algum dia ligar pra ela pra conversarem melhor, Matilda sempre negou. Não gostava e não se sentia bem. Elas ligaram. Matilda ficou envergonhada no começo e dava respostas curtas, isso até se soltar e conversar devidamente.

Julia disse para ela baixar um joguinho de tiro para jogarem juntas, Matilda nunca foi boa em jogos porém baixou. Elas jogavam todas as noites por duas horas em ligações. Essas noites de jogos passaram a ser somente de ligações, onde simplesmente conversavam sobre tudo. E era espantoso o fato de conseguirem achar assuntos mesmo depois de horas conversando por mensagem.

Julia disse, em uma noite qualquer de ligação por voz, que um dia ligariam por vídeo. Matilda negou diversas vezes. Ela não conseguiria, por fim... isso acabou acontecendo.

Seu corpo tremia de nervosismo. Odiava ligações por vídeo e mesmo assim estava ali com o coração a mil.

Julia ligou, ela atendeu. A primeira reação foi mostrar o teto por pura vergonha e Julia fez o mesmo. Elas riram, fizeram ao mesmo tempo. Demorou para a vergonha ir embora e ela finalmente se mostrar na tela, porém fez. Seu rosto queimava de vergonha, Julia também apareceu e algo pareceu congelar. Não sabia o que era. Só não conseguia se mexer, estava nervosa e queria desligar.

"Você está linda!"

Foi a primeira coisa que Julia falou após aparecer. O coração de Matilda disparou, parecia uma escola de samba dentro si.

Ela agradeceu e disse que Julia também estava linda, e não mentiu. Julia era linda.

Era alta - por mais que nunca a tivesse visto pessoalmente.
Tinha cabelos lisos e que iam até o ombro.
Às vezes usava óculos e às vezes não, das duas formas ficava linda.
Tinha olhos pequenininhos e escuros.
E o sorriso! Ah, o sorriso era apaixonante. Dentes perfeitamente alinhados e faziam os olhos se apertarem.
Tinha muitas bochechas também, o que fazia Matilda querer apertá-las.

Elas conversaram por bastante tempo até Matilda dizer que tinha que ir dormir e por isso teria que desligar. Julia fez uma carinha triste o que a faz parar e ficar olhando, algo dentro de si estava mudando.

- Seu olho está brilhando! - Matilda comentou reflexiva. - É pela luz?

- Aham, é pela luz sim, confia. - Julia respondeu daquele jeito só dela, e sorriu.

Os olhos brilhavam tanto! E ainda tinha esse bendito sorriso que ultimamente estava tirando Matilda de órbita. Julia apoiou sua cabeça nas mãos e a ficou olhando pela ligação, Matilda não conseguia desviar o olhar do rosto refletido na tela.

Era demais pra si. O que era isso que sentia? Que vontade de chorar é essa?

- Quero chorar. - Comentou ainda olhando-a.

- Por que?

- Não sei. Me deu vontade... imaginei você comigo. - Falou sendo sincera.

Quando que tinha sido tão sincera assim na frente de alguém? Talvez com Heloísa quando disse que a amava e as infinitas vezes que a chamou de linda.

Elas conversaram mais um pouco, mas sempre lembrando dos minutos atrás. Como poderiam se esquecer? Foi algo louco para ambas. Parecia que uma descarga elétrica rápida havia passado pelo corpos das duas ao mesmo tempo assim que os olhares se cruzaram. Parecia uma faísca e talvez até fosse. A tal faísca de um amor que floresceria no futuro.

Não conseguiram se despedir, portanto Julia propôs para que dormissem juntas em ligação. Matilda nunca gostou disso, primeiro porque tinha dificuldade em dormir com alguém escutando e segundo pela bateria do celular. E ela aceitou no fim.

Dormiram juntas.

Matilda lembrava sem parar que estava sentindo algo a mais e que não queria sentir. Torcia para que não sentisse.

Ainda não estava pronta.

MatildaOnde histórias criam vida. Descubra agora