Capítulo 36

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××× Ludmilla Oliveira ×××

-- Tudo começou quando... - Respirei fundo. - É uma história longa.

Brunna se levantou. A saia até os pés que ela usava arrastou pelo chão até ela sentar no mesmo sofazinho que eu. A loira se virou para mim e eu fiz o mesmo.

-- Estou ouvindo. - Disse ela, apenas.

Então uma enchurrada de palavras começou a sair da minha boca.

Contei para Brunna que quando minha mãe abandonou a mim e meu pai, eu tinha apenas
cinco anos. Ouvi o melhor amigo do meu pai dizer que minha mãe era uma puta sem coração e não prestava. Nenhuma mãe de verdade abandonava uma filha, mesmo se estivesse com o pai.

-- Eu lembro que eu perguntei para o meu pai se era minha culpa da minha mãe ter ido embora. - Disse olhando as ondas quebrarem na areia. O mar estava negro, assim como o céu. - Meu pai disse que não era culpa de ninguém, que minha mãe apenas achava que ela não me mereceria. E eu passei muitas noites chorando no meu quarto, repetindo para mim mesma, bem baixinho "Você merece sim, mamãe, merece sim".

À luz da lua, percebi que Brunna tinha lágrimas nos olhos. Ela pegou minhas mãos e apertou entre as suas.

-- Eu sinto muito.

-- Eu passei anos sofrendo por alguém que não merecia nem a porra do ar que entrava nos
pulmões dela, Brunna. - Cerrei os dentes. As memórias doíam como várias agulhas perfurando minha pele ao mesmo tempo. - E o que mais me deixou puta foi que meu pai nunca parou de amar e se lamentar por essa bruxa, nem quando ela morreu.

O dedão de Brunna massageava a palma da minha mão. A emoção e o clima pesado entre nós era tão real que dava para cortar com uma faca.

-- Quando eu tinha nove anos, ela morreu. Num acidente de carro qualquer, no Arizona. Parece que estava bêbada, drogada, sei lá. Meu pai ficou arrasado. - Engoli em seco. - Arrasado, Brunna. Eu ouvi ele chorar por noites. Até que um dia, eu fui falar com ele sobre isso, e ele me disse que só não metia uma bala na cabeça por minha causa. - Minha boca estava ficando seca. Abri outra cerveja e dei um gole longo, ainda com uma mão dada com
Brunna. - Eu nunca me senti tanto um peso na vida de alguém.

-- Seu pai não deveria ter falado isso para você. - Ela respondeu, seu tom era calmo. - Você era só uma criança Ludmilla, e você já se cobrava de mais, por coisas que não eram culpa sua.

Apenas assenti. Sabia que ela estava certa. Mas não tinha o que fazer nessa altura.

-- Quando eu tinha doze anos, descobri que meu pai tava nesse mundo das drogas. Não usando, apenas traficando. Eu cai de cabeça nisso com ele, e quando eu tinha 17 anos a gente tinha se tornado os maiores traficantes de NY. - Não era algo que eu tinha orgulho. Não mais. - Foi apenas eu e meu pai por anos. Com 24 eu conheci o Marcos e o Caio... - Minha garganta se apertou com a lembrança. E imagens de Caio morto invadiram minha cabeça. Espantei-as rapidamente. - E estava tudo indo de bom pra melhor. Da água pra porra do melhor vinho do planeta... - Um sorriso triste decorou minha boca. - E então... quando eu tinha 32 anos eu me meti numa briga, com o maior inimigo do meu pai. Foi a pior escolha que eu fiz em toda minha vida, porque eu sei que se meu pai não tivesse entrado na frente, seria eu a estar morta. - Me virei para a loira, olhando-a nos olhos. - Era para eu estar morta, não ele.

-- Ludmilla... - Sussurrou. Sua voz tão agradável quanto a brisa que vinha do mar. Era uma melodia que me trazia paz.

-- Eu lembro disso todo maldito dia. - Mordi a boca. E meus olhar se perdeu na vista atrás de mim, lembrando cada detalhe daquele dia infernal. Era vívido, como se tivesse acontecido há duas horas atrás, e não dois anos. - Estávamos trocando tiros, por uma merda de mercadoria, que eu coloquei na cabeça que ia conseguir de volta. Então meu pai foi me defender, num momento idiota que eu me achei imortal, levantei para atirar na cabeça do desgraçado, e meu pai entrou na frente bem na hora que dois disparos saíram
da arma do outro cara. - Meus olhos estavam molhados, e sabia que tinha lágrimas escorrendo pelo meu rosto, mas pela primeira vez em muito tempo, não me importei de alguém me ver chorando.

Respirei fundo e funguei.

-- Um tiro foi no abdômen, e outro no coração. - Disse com a voz mais limpa que eu consegui. - Matei o desgraçado com três tiros na cara, antes de cair de joelhos do lado do meu pai. E saber que não tinha nenhum médico que o curaria. Foi fatal. Eu sabia disso. Mas não queria aceitar. E sabe o que ele fez?

-- O quê? - Brunna fungou e limpou as lágrimas de seus próprios olhos. Só reparei que não era o único chorando quando a olhei.

-- Ele me pegou pelo colarinho, e disse algo que eu nunca vou esquecer. - Pigarreei. - Escute, filha. - Me lembrei de sua voz. - Ame, ame com força. Ame com todo seu ser, com toda a porra da sua alma. - Me lembrei de seu abraço. - Pois, menina, nada mais vai sobrar. Não importa ser a dona do mundo, temida e cheio de riquezas quando não se têm um lugar para onde voltar. - Me lembrei de seu boa noite quando morávamos apenas nós dois na mesma casa. - Lares não são locais, terras são temporárias. Pessoas são lares,
você sempre estará segura enquanto tiver alguém para quem voltar. - Me lembrei do quanto eu o amava.

E, nesse instante, eu percebi que nunca segui o conselho do meu pai. Não com outra pessoa.

-- Ele estava certo. - Brunna apertou minha mão novamente, ainda chorava um pouquinho.

-- Eu sei. - Murmurei, olhando e reparando cada detalhe da mulher que eu amava. Ela era minha casa. Ela e Michell eram o meu lar, mas eles não sabiam ainda. E estava com medo de ser recusada.

Engolindo tudo mais que eu queria falar, tomei mais da cerveja.

-- Eu sinto muito por tudo que você passou, Ludmilla. - Brunna me envolveu em um abraço
apertado assim que nos levantamos. - Eu sinto muito de verdade. - Continuou, a voz abafada pela minha camisa.

-- Eu sei. - Disse contra seus cabelos.

Eu já sabia disso, e não precisava de confirmação. Mas foi muito bom sentir aquilo de novo.

Os braços de Brunna eram minha estrutura, e o balcuciar de Michell eram o meu teto. Os dois unidos eram o meu lar, e eu iria lutar por isso.

Mesmo que eles não aceitassem.

THE GIRL (GIP)Onde histórias criam vida. Descubra agora