Não sei explicar, pareço não estar em meu corpo há muito tempo. De fato, como fui um tolo! Pois, negava a mim mesmo que não havia nada de errado comigo. A verdade é que venho sentindo esse mal-estar fazem dois anos, dois malditos anos, mas nos últimos quatro meses ele se intensificou, antes eu só sentia um cansaço, apenas isso e pensava que era devido ao trabalho, pois nesses últimos anos desde que meu pai resolveu entregar a mim a presidência da Companhia tenho me esforçado para manter os negócios no ritmo certo. Nunca me importei com essas bobagens sobre saúde, sempre achei desnecessária a presença em médicos e agora estou aqui com resultados de exames que me dão apenas seis meses de vida.
Seis meses, o que dá para fazer em seis meses? Porque Deus, porque? Porque trouxe ela para mim agora e não antes? Porque me priva desse sentimento que não cabe mais nessa porcaria de coração velho e praticamente morto? Eu a quero tanto, como quero a vida que teria ao seu lado. Sol, não merece isso. Não posso prendê-la a mim, não posso ser um cretino egoísta e prendê-la a um fraco, que sempre bateu forte na vida e que agora recebe a maior rasteira de todas. A maior surra de todas.
Brian, foi para seu consultório comunicar minha breve vida ao meu irmão maluco, a uma Stacy birrenta e ao meu Sol brilhante, minha luz, minha própria luz. E só me resta saber que a perdi antes mesmo de tê-la. Sei que a desejarei até meu último suspiro, mas que agora será a distância e em silêncio. Não quero que ela me veja definhar a cada hora, a cada dia, não quero que esteja presente quando chegar o meu fim. Brian, falou da droga de uma fila de transplantes e que tenho grandes chances, mas a quem quero enganar? Qual é? Conta essa para outro.
Ainda estou sentado na cadeira de uma sala totalmente branca com uma maca ao fundo e vários potes de vidro cheios com algodão, paletas e luvas orquestrados em um balcão de madeira, além de um suporte para coleta de sangue e caixas para descarte de materiais cirúrgicos, estou aqui aguardando uma enfermeira que irá aplicar uma dose de alguma coisa em minha veia, pois venho apresentando quadro de arritmia cardíaca. Ela chegou na sala, mas ali só estava meu corpo, pois minha mente devia e queria estar em outro lugar.
- Sr. Sanders, sou Agnes Mitchel, vim aplicar uma dose de cloridrato de lidocaína e acompanharei a pedido do Dr. Brian seu caso mais de perto, inclusive ficando a sua disposição para aplicações regulares de medicamentos além desse. Queremos que saiba que faremos o que estiver ao nosso alcance para ajudá-lo. - Sua voz era muito sincera, Agnes é baixa, magra e loira de olhos verdes, está em sua cara que nasceu para ser enfermeira
- Obrigada por suas palavras, mas entendo que o que farão é apenas garantir que eu tenha uma morte mais digna
- Por favor Sr. Sanders, não teremos progresso se pensar que não há mais chances, pois saiba que são realizados por ano mais de 2.300 transplantes em mais de 150 centros de transplantes espalhados pelo país. E creio que temos o tempo ao nosso favor. Seja mais confiante.
- O que faria em seis meses? - Ela me olha com cautela, pois entendeu o real motivo da minha pergunta
- Teria ainda mais fé - respondeu com um sorriso
Sem perceber o olhar mais lindo que já pude ver um dia em minha agora breve vida estava na porta. Sol entrou acanhada falando com a enfermeira e olhando para mim, do jeito mais doce e terno que poderia para me salvar do inferno em que me encontro agora.
- Brian, ficou conversando com Richard e Stacy e eu então pedi a ele que me deixasse vê-lo - ela se apressa em falar
- Sol, precisamos conversar, mais antes a Agnes aí vai me furar com a droga de uma seringa. - Nesse momento Agnes estava preparando meu braço, colocando a velha borracha para pressionar a circulação e aplicou uma espécie de agulha, fixada com esparadrapos, aplicando pôr fim a medicação. Foi quando pela primeira vez em minha vida não senti agonia ou dor, por estar em contato com agulhas, e sei que foi por ela, meu lindo Sol que estava a segurar minha mão.
- O que tem a me falar, Gordon? - Sol me pergunta e Agnes sai da sala nos deixando a sós, antes deixando-me ligado a um suporte com soro.
- Que me deixe sozinho - a respondo e vejo seu rosto mudando conforme eu ia falando - quero que me deixe sozinho, mas não só agora, mas para sempre.
- Porque quer me afastar de você, quando mais precisa de mim? - Ela diz me olhando assustada
- Quem disse que preciso de você? - Falo alto, me odiando por dentro, me odiando por amar tanto essa mulher
- Saiba que não vai conseguir o que quer. - Ela me responde confiante e sem que eu esperasse, seus lábios estão nos meus, com tanta ternura. E sua boca é tão doce, tão doce que me perco nela.
- Não...não - eu digo entre seus beijos, mas não consigo soltá-la
- Eu te amo e agora sei o porquê de eu sentir o que sinto por você tão intensamente, Gordon. Não ouse me afastar. - Ela diz afastando seus lábios dos meus.
- Estou morrendo, porra!! - Grito, mas ela não se altera
- Por pouco tempo - ela me responde
- Não quero sua pena, muito menos sua piedade. - Digo na tentativa de convencê-la
- Quem está com pena aqui? Quer saber? Quem tem pena é galinha, peru, pavão. E você é esperto o suficiente para saber disso - eu começo a rir de sua colocação.
- Soledade Rivero McLean, já te disseram o quanto é teimosa?
- Várias vezes, logo você terá muito trabalho para me manter longe - Ela diz por fim
Não mais que de repente, Richard, Stacy e Brian entram na sala e percebem que eu e Sol conversávamos animosamente. Mas, fico feliz por não ver em seus olhos pena, medo e sim respeito ao meu momento
- Gordon, sei que você odeia mudanças, sejam elas de qualquer natureza, e quero que saiba que não será diferente. Não vou trata-lo como um inválido, doente pois você não é. Vamos sim a partir de agora lutarmos para mantê-lo estável para enfim receber a nova "máquina" no meio desse seu peitoral. - Diz um Richard que eu desconhecia e me vejo sorrindo para o que ele diz, Stacy e Brian olham para mim confiantes e com sorrisos e meu Sol está me olhando de maneira indecifrável
- Eu realmente não queria algo diferente vindo de vocês. Nada muda, absolutamente nada me entenderam? - Digo num tom cortês, mas implacável e resoluto como sempre
- Claro que nada muda, maninho - Richard fala em seu velho tom piadista
- Bem, creio que por hoje é só pessoal. Gordon, precisa tomar outros medicamentos e preciso que ele repouse. Pedirei a enfermeira Mitchel para prosseguir com o tratamento. - Diz Brian em seu tom profissional
- Richard, ouviu Brian. A empresa precisa seguir em frente, eu não poderei voltar hoje, mas não quero ficar sem saber das novidades. Preciso que retorne a empresa e veja os andamentos dos projetos, pois nós dois sabemos como esse período é importante. - Digo sem meias palavras - Aproveite e leve contigo a Stacy e a Srta. McLean
- Eu vou ficar. - Sol responde, deixando todos surpresos
- Não preciso de você aqui. - Digo cortante
- Creio que não fui clara o suficiente em nossa última conversa e começo a achar que o seu problema não é no coração e sim na cabeça. - Ela diz calmamente fixando seu olhar em mim e todos riem menos eu, é claro.
- Finalmente Gordon, encontrou alguém a sua altura - diz Richard, sorrindo debochadamente e levando consigo Brian e Stacy da sala
- Quer dizer que agora você quer me provocar? - Pergunto, achando tudo muito divertido, mas tento não demonstrar
- Não tanto quanto você me provoca. Se é guerra o que quer, é guerra que terá. Posso respeitar o fato de não me querer por perto, tão perto, mas não irei me afastar, isso não pode me negar. - Ela diz, e eu sei que perdi essa guerra antes mesmo dela começar.
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No fim do túnel tem açúcar
RomansaUm romance cativante em uma das cidades mais cosmopolitas do planeta - New York. Gordon Spencer Sanders, branco, preconceituoso, sexy e dono de lindos olhos azuis. Soledade Rivero McLean, negra, doce e determinada. Um olhar, um toque, um desejo inco...