27- Dragão

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Meu corpo está tremendo, não está frio, mas estou tão rígida e encolhida na manta grossa, que parece que a noite mede menos zero graus. 

Os olhos dela encaram os meus, congelando deitada no chão. Terror reflete em seus olhos enquanto ela esfrega as mãos ensanguentadas. 

S– É a nossa sina, sabia? O sofrimento. — Estou congelando, a hipotermia provavelmente bate à minha porta. — Eu escolhi isso quando me entreguei para o meu Lorde e você escolheu quando deixou seu lar a procura do Divino Albino. 

Ela me toca, sua mão ensanguentada manchando meu rosto e de repente não sinto mais frio. Me levanto imediatamente, me agarrando a ela. 

— Você... destruiu a minha vida. — Falo rápido, recuperando o fôlego. 

S– Me perdoe, Amaya, mas eu não fiz nada. 

— Como não? Você sempre esteve lá. — Aperto as mangas da sua blusa. — Quando abri meus olhos pela primeira vez, quando chamei pelo Dragão Branco, quando saí de casa e toda às vezes que fechei meus olhos para tentar dormir. Você estava lá, me influenciando, me dizendo quais caminhos seguir e me rebaixando. VOCÊ SEMPRE ESTEVE LÁ! 

Ela aperta os lábios, parece reticente em falar, suas mãos apoiam as minhas e me afastam dela. Ela se levanta, caminha até uma distância curta de mim. Seus cabelos arrastam no chão. 

S– Eu estive ao seu lado, lhe guiando em sua jornada, para que cruzasse o caminho certo. Para que fizesse as escolhas corretas. 

— E elas envolvem abdicar da minha felicidade. 

S– Alguém tem que abrir e sinto que esse alguém seja você. Mas entre tantos no mundo inteiro, só você tem a capacidade de se manter firme perante tanto caos. 

O frio volta de uma só vez, meu corpo se choca contra o chão e sinto meus membros congelarem. Meus olhos focam na parte de cima da minha tenda e quando olho ao redor, estou de volta. 

Meus dentes batem um contra o outra e estou me sentindo extremamente zonza, o cobertor escorrega pelos meus braços, mas o frio não me incomoda, não com seu corpo me aquecendo de forma íntima. 

Me enrolo na manta e deixo a barraca. O dia está nascendo, algumas fogueiras ainda estão acesas e frente a uma delas, quem eu não esperava ver. Quem eu ando evitando. Cogito entrar de volta, mas ele me chama a atenção, erguendo a mão em cumprimento. 

Caminho até lá, me sentando ao lado dele. Aproveitando o silêncio da madrugada. 

DB– Escondes algo de mim, não é? 

— Como pode saber? 

DB– Como não poderia? Te conheço mais que qualquer outro. 

— É mesmo? Acho que você precisava usar esse dom para se conhecer. 

DB– O que quer dizer com isso? — Suspiro, deixando o manto de lado. 

— Nada, eu... não quero brigar. 

DB– Eu me conheço. Eu só não tenho coragem de ser eu mesmo. — Não digo nada, apenas ouço ele divagar. — Eu entendo como se sente frustrada a ponto de fazer de tudo para deixar os problemas de lado, se eu tivesse coragem, o faria também. Mas como disseste certa vez, eu sou um covarde que se escondeu por duzentos anos e agora não sabe mais como lutar. 

Meu peito aperta com sua voz baixa e transtornada. Ele está alterado, cabisbaixo e extremamente deprimido. Nunca o vi assim. 

– O que desencadeou esse tipo de pensamento? 

DB– Perceber que nunca terei o que Ruth e Andeias tem, o que Alex e Xaun tinham e o que você e Egon estão construindo. Tudo por que não fui corajoso o suficiente. — Ele se abraça, causando ainda mais no meu coração. 

— Eu não sabia que se sentia dessa forma. — Culpa me assume por completo ao ver uma lágrima solitária escorrer de seu rosto. 

DB– Como poderia saber? Eu sei tudo sobre você, mas nunca mostrei nada de mim. 

— Não sabe tudo sobre mim. 

DB– Eu sei. 

— Tipo, o quê? 

DB– Sei que sua comida preferida é filé de pato. Que você amava seu cabelo, mesmo assim o cortou para honrar seu irmão. Que você odeia crianças, que se arrepende muito de ter fugido de casa. Sei que aos seis anos, você roubou uma estatueta de ouro do seu pai e a jogou no lago, só para se vingar dele. — Meu peito se aquece enquanto o ouço falar. — Sei que você está apenas fingindo ter superado a morte do Alec. 

Minha expressão se fecha com sua constatação. 

DB– Que toda noite, você se encolhe e abraça as antigas roupas dele. Que chora baixinho e que se machuca, porque sente culpa. E sei que tem pesadelos todas as noites, que se revira no colchonete e que acorda e põe um sorriso no rosto. — Ele se aproxima de mim e segura meu rosto com as mãos. — Sei que você está morta por dentro, mas mesmo assim continua lutando, por nós, só por nós. Porque é nossa Salvadora e eu sei que vai conseguir cumprir a missão que o Criador deu para você. 

Seus olhos apenas desgrudam dos meus quando descem para minha boca, ele não faz nada, apenas divide o olhar entre meus olhos e meus lábios. 

A dúvida surge em minha mente enquanto ele espera que eu tome o próximo passo. Mas não agora, não antes que eu possa ser totalmente sincera com ele. 

— A culpa disso tudo é do Criador. — Ele solta um risinho nasal, sem entender o que digo. 

Ergo os braços e puxo seu rosto para cima, quebrando o clima e fazendo com seu rosto volte a ter uma expressão fria, típica do Dragão Branco. 

— Dragão Branco... O Criador criou o Lorde das Trevas. — Duas sobrancelhas de franzem, como se estivessem processando. 

DB– O Criador criou todas as coisas. 

— Sim! Não! O que quero dizer é que o Criador fez o Lorde das Trevas para te punir por desobedecê-lo. A culpa de todos esses anos de caos e medo, é Dele. 

A ficha parece finalmente cair para ele, que se afasta de mim e se levanta agitado. Suas mãos tremem e ele morde os lábios com força. 

DB– Para me punir? — Sua voz soa extremamente magoada, não irritada, ou triste, ela soa como se ele tivesse acabado de levar uma facada nas costas. 

Um filho, que acabou de descobrir ter sido traído da pior forma possível, pelo pai. 

DB– Como você... como pode saber disso? 

— Eu vi. Ele falou comigo em uma visão há alguns dias. 

DB– Quando? — Ele se afasta cada vez mais de mim, seus olhos expressando terror. 

— Uns cinco dias. 

DB– Porque... por que não me contou antes? Por que esperou tanto tempo? — Ele tropeça num monte de areia, seus olhos não focam em lugar nenhum. 

Eles piscam, como se ele tivesse perdendo controle de sua magia. De azul vibrante, a azul fosco. Me agacho, tocando seu rosto, mas não deixo minha mão lá por muito tempo. 

— Você está queimando. — Erguo sua mão, acariciando, analisando a textura que se forma inesperadamente. 

Escamas acinzentadas brilhantes, todo seu corpo amostra está coberto delas. Seus olhos mantêm o azul vibrante agora, fumaça sai de seus poros. 

DB– Eu preciso... eu tenho... eu tenho que ir. 

Ele se levanta e corre, tento alcançá-lo, corro atrás dele, grito por ele. 

Chamo a atenção de alguns soldados que deixam suas barracas. 

Ele corre cada vez mais alto, seus pés deixam o chão, a fumaça o cobre por inteiro, flutuando, subindo, crescendo. E a última coisa que vejo, sumindo nas nuvens, é a silhueta de um dragão. 

X– Aquele é... — Ele se aproxima por trás de mim, seus olhos arregalados em direção ao céu. — O que houve? 

— Eu cometi um erro. Falei o que não devia. 

X– Vocês brigaram outra vez? 

— Não. Foi outra coisa. Pior. — Abraço meu próprio corpo, me inclinando em direção a ele. — Acho que destruí toda a fé dele

A Lenda do Dragão BrancoOnde histórias criam vida. Descubra agora