Capítulo 3

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Acho que não piso em casa há mais de vinte e quatro horas.

Não é como se alguém estivesse me esperando lá, é claro. Nem gatos, nem cachorros, nenhuma namorada e muito menos plantas para serem regadas. Até tentei ter uma, há um ano, mas nunca estava em casa para cuidar dela e a coitadinha acabou morrendo menos de uma semana depois de comprá-la. Decidi não me tornar um assassino de plantas de novo, então nunca mais voltei a comprar uma.

Não é como se houvesse algo a fazer lá, também. Um pequeno apartamento de três cômodos — cozinha integrada com a sala de estar, um quarto e um banheiro — de um homem solteiro não precisa de tanta limpeza assim, ainda mais quando quase não vivo lá e, sim, na escola. Minha pequena sala de estar está mais para um escritório barra biblioteca didática do que outra coisa, e meu quarto só é usado por algumas horas durante a semana, quando tenho tempo para dormir.

Nada de festas, nada de amantes — uma vida monótona da qual eu gosto, mas não pretendo continuar assim para sempre.

Um dia, quem sabe, terei uma família para me fazer companhia.

— Não sei se estou vestido apropriadamente para uma sessão de fotos no estúdio da Valência Cosméticos. — Digo a Hannah, que está andando ao meu lado de braços entrelaçados ao meu.

Para quem anda na rua, com certeza parecemos um casal. Acho que eu deveria me afastar eventualmente, se quero ter uma namorada um dia, mas não me importo. Hannah e eu somos melhores amigos desde sempre, não ligo há muitos anos se vão questionar nosso nível de amizade ou não.

— A modelo sou eu, Michael. — Hannah responde, a cabeça movendo-se de um lado para o outro para acompanhar o movimento noturno da rua.

— Poderia ter me deixado tomar um banho, pelo menos.

— Você poderia ter dormido em casa, não na escola corrigindo trabalhos. — Repreende.

Sorrio, então me encolho quando o vento gelado da noite bate contra minha pele.

— Dormi muito bem na sala dos professores, o sofá de lá é muito bom.

Hannah bufa, apertando meu braço com as mãos para fugir do frio.

— Não vai ser um professor universitário se tiver morrido de cansaço até lá.

— Você não faria um discurso sobre como eu teria evitado minha morte prematura se tivesse dormido mais, faria? — Ergo uma sobrancelha em sua direção.

Sei que está sorrindo antes mesmo de ver seus lábios curvados para cima.

— Vou te desconvidar do meu enterro. — Declaro, olhando para frente de maneira brusca.

— Não pode fazer isso, não vai estar vivo.

— Vou deixar um documento legalmente validado. — Empino o nariz, então espremo os olhos como se estivesse lendo algo no ar. — Hannah Ballard, proibida irrevogavelmente de comparecer ao enterro de Michael B. Hawkins.

Ela ri, balançando a cabeça.

— Você não faria isso, Michael. Sou sua única amiga.

— Que mentira. — Resmungo.

— Sou a única realmente importante, então. — Dá de ombros.

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Fico observando o ensaio em silêncio.

A fotógrafa se atrasou um pouco, quando chegou eu já estava nos bastidores e não tive a chance de conhecê-la. Menos de dez minutos depois, Hannah já estava deslumbrante em frente a câmera, diversos flashs e luzes de apoio apontados em sua direção. Ela posou com vários produtos de beleza diferentes, sempre mudando maquiagem e roupas para acompanhá-los. A primeira sessão durou, pelo menos, uma hora. Então a fotógrafa gritou que precisavam de um intervalo para recuperar o fôlego.

O amanhã do nosso para sempreOnde histórias criam vida. Descubra agora