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Naquela noite eu sonhei com o lobo.

Antes de tudo, fui atacada. Eu estava novamente na floresta, mas agora era dia. Eu conseguia ver uma sombra correndo na minha direção para me pegar. Não pude distinguir um rosto, traços ou algo que me fizesse saber quem queria me matar, contudo, eu via o vulto macabro que avançava para me ferir.

Tentei correr, fiz força, mas não saí do lugar. Meus pés pareciam costurados no chão. O sol ardia na minha pele. Eu quis gritar, porém, as palavras morreram sobre os meus lábios trêmulos, antes mesmo de ganharem vida.

Todavia, o vulto não parecia se deter.

Ele vinha a toda velocidade, repetindo coisas que eu não entendia. Fechei os olhos e esperei pelo ataque feroz, só que não aconteceu...
No lugar de um bote mortal, chegou até mim um rosnado alto e cruel. Tudo em volta estremeceu. Abri os olhos e aí o vi. O lobo. Ele estava entre mim e o meu caçador.

Pensei que tudo estava acabado. O lobo era enorme, forte, mas o oponente parecia tão determinado quanto.

Forcei a minha voz a funcionar. Supliquei por ajuda, que alguém viesse, que fizessem algo. Mas ninguém apareceu. Ninguém me ouvia. E ao invés disso, a briga só ficava maior a minha frente.

O lobo mostrava as presas afiadas, mas o outro não demonstrava medo. A sombra investia contra o animal sem receios. Por um segundo cogitei que o lobo estava em vantagem, mas então, sabe-se lá de onde, o vulto sacou um punhal e o atingiu brutalmente.

Caí de joelhos. A lâmina parecia atravessar a minha pele.

— Não! — Gemi, chorosa. As lágrimas escorriam pelo meu rosto.

O sangue do lobo gotejava no chão, mas ele não parava de se mover. Seus dentes pegaram algo — alguém —, e então o som de carne sendo rasgada preencheu os meus ouvidos.

O rosnado se misturava a grunhidos; depois estava acabado.

Vi o lobo recuar, os dentes sujos com o sangue escuro do adversário.

Daí ele me olhou nos olhos e começou a despencar, fazendo o chão tremer com a força de seu peso. Ele guinchava um ruído agudo de dor. Foi como ver o sol se apagando aos pouquinhos.

— Não! — Gritei, engatinhando até ele. — Não, não, não! Calma, vai ficar tudo bem... vai ficar tudo bem... — Minhas mãos pareciam minúsculas diante de seu corpo grande e peludo. Tentei estancar o sangramento, mas o líquido vermelho escorria por entre os meus dedos. — Olha pra mim, por favor. Olha pra mim... Vai ficar tudo bem... vai ficar tudo bem...

Vi meu reflexo dentro de seus olhos. Meu rosto se contorcia em pavor e desespero.

Eu pensei que você merecia isso, mas você não merece... Perdão.

Esfreguei as costas da mão nos olhos, afastando as lágrimas.

— Calma, calma... eu estou aqui. E-eu... vou pedir ajuda, alguém vai...

Não me importo de morrer. Eu nunca tive medo da morte, bruxinha.

Bati os cílios úmidos e franzi o cenho com força. Como num passe de mágica, constatei que não era o lobo ali. Não era o sangramento dele que eu tentava loucamente estancar. Era... o motoqueiro.

Ruggero.

— Não... por favor, não... Olha pra mim... — Implorei.

Toquei em sua testa. Ele estava ardendo em febre e suava. Seu rosto inteiro estava lavado de suor. Seu corpo estava encolhido e desnudo. Parecia que o calor triplicava, me soterrando.

O Príncipe LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora