284 35 208
                                    

Eu me sentia em um daqueles pesadelos em que precisamos correr muito para nos salvar e que por mais que tenhamos consciência do perigo, ainda assim, permanecemos inertes, esperando para ver onde tudo vai dar.

Uma parte da minha cabeça me mandava levantar e questionar o cara da moto sobre o fato de quase ter me atropelado, contudo, as palavras ao invés de saírem se enrolavam na minha língua e desciam garganta abaixo, despencando dentro do meu estômago.

Ele tampouco disse nada.

Não acho que muitos segundos se passaram enquanto nos encarávamos, mas de alguma maneira assombrosa tive a sensação de que os ponteiros do relógio estavam retrocedendo.

Quem é você?

Uma chama desenfreada contrastou com a frieza que nos rodeava e cobriu o meu rosto, fazendo minhas bochechas enrubescerem e meu corpo todo se contrair.
O maldito calor estava de volta! E estava mais forte. Quase insuportável.

— Karol?

Virei o rosto automaticamente ao ouvir a voz do professor de educação física. De algum lugar por entre a neblina e a chuva ele me chamava, talvez com a consciência pesada pelo showzinho de minutos atrás.

Mas eu não queria a pena dele e nem de ninguém.

Me preparei para levantar e tirar satisfações com o motoqueiro maluco, mas a moto voltou a rugir. Voltei a encará-lo, sobressaltada com o barulho inesperado. O cara me lançou um olhar atravessado e acelerou, indo embora.

Bati os cílios, atordoada.

Quando consegui ficar de pé, foi como se nada tivesse acontecido. Não havia nem sinal da moto ou de seu barulho ensurdecedor. Ele simplesmente tinha sumido tão depressa quanto surgiu.

Não posso estar maluca... Não posso estar maluca...

— Ah, graças a Deus eu te encontrei! Está tudo bem?

Girei nos calcanhares de supetão, empurrando a mão pesada do professor quando ele tocou no meu ombro.

Não era a minha intenção ser grosseira, mas toda a minha pele ardia. Passei a palma da mão pela nuca tentando apaziguar o calor sufocante. Deus, isso não pode ser normal! Não era possível suar tanto embaixo de uma tempestade dessas. Isso... isso não faz sentido!

— Perdão. Perdão, eu não quis te assustar. Está tudo bem? — Ele falava de um jeito todo cuidadoso, como se eu fosse uma criança. Em outros momentos isso teria me deixado irritada, contudo, dessa vez, tudo o que eu queria era que alguém me tirasse dali.

— Acho que estou... acho que... febre. — Meu queixo batia violentamente, só então me dei conta que apesar do calor, eu também estava congelando, como se a sensação térmica óbvia brigasse contra essa febre inesperada. — N-não me sinto... b-em...

O professor olhou por cima dos ombros, talvez checando se os alunos tinham saído para espiar, só então se voltou para mim e hesitou um pouco antes de me segurar pelo braço, explicando que me levaria até a enfermaria.

— Vai ficar tudo bem. — Ele dizia, caminhando ao meu lado, sem me soltar. — Eu compreendo que as coisas não estão sendo fáceis, mas se acalme, eu vou passar o ocorrido para a direção. Eles vão parar com essas brincadeirinhas.

Assenti mesmo sem acreditar.

Outros professores já tinham dito o mesmo, mas nesses dois meses nada mudou, tampouco mudaria.

Iriam continuar me infernizando.

— Obrigada. — Balbuciei só pela boa intenção dele.

Antes de entrarmos no prédio da enfermaria que ficava perto do ginásio, olhei para trás, contudo, não tinha nem sinal daquela moto, daquele cara ou de seu olhar maldoso que cruzou o meu caminho como um sol que incide no céu da meia-noite.

O Príncipe LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora