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Pisar na biblioteca foi esquisito. Eu ficava procurando algum indício de que algo estava fora do lugar, mas não existia. Muito pelo contrário, o salão dos livros estava impecavelmente arrumado, nenhuma janela quebrada... até mesmo o chão parecia brilhar. Tudo perfeito.

Perfeito até demais.

— Deus te abençoe, garota! — Benjamin exclamou com um sorriso cheio de dentes, aproximando-se de mim. — Nunca imaginei que veria esse lugar tão arrumado. O que você fez? Bom, seja lá o que for, dá até prazer de trabalhar aqui agora.

Deixei a minha mochila sobre o balcão e olhei rapidamente na direção das mesas mais afastadas onde o pessoal ficava sempre que vinham fazer pesquisas. Os computadores estavam por ali. Eu tinha que pesquisar sobre o meu livro, já que não consegui fazer isso na escola, senão ia acabar me atrasando toda.

— Pra mim está tudo normal. — Dei de ombros.

Ben abanou a cabeça. Ele tinha alguns livros sobre o colo.

— Normal? Karol, não tem um rastro de poeira nas estantes, nem nos livros, tampouco nas mesas. — Riu, parecia estupefato. — Que horas saiu daqui? Deve ter sido bem tarde. Não deveria ter feito tudo sozinha.

Cocei a lateral da cabeça e instintivamente recordei da pancada que levei ali — no sonho. Não tinha nem um galo no local. Mas mesmo assim as imagens me bombardearam. Varri todo o espaço com os olhos, observando a lateral do balcão onde, supostamente, bati também.

Nada... Nenhum sinal de que foi real.

— Acho que saí tão tarde que... nem me lembro. — Dei a volta na ilha, indo me sentar um pouco na cadeira que ficava ali atrás. — Mas e aí, vai ter hidroterapia hoje?

Ele deu risada, corando só um pouquinho.

— Só tem jogo no fim de semana. Uma merda! Vou ter que bancar o funcionário perfeito pelo visto.

— Bem-vindo ao mundo dos meros trabalhadores. A classe mais ferrada do mundo!

— Isso parece injusto. — Ben deixou os livros que tinha no colo sobre o balcão e acomodou sua cadeira ali perto. Perto o suficiente para que seu joelho quase encostasse no meu. — Mas me diz, como anda lá na escola? Outro dia comentaram sobre uma ventania que teve por lá. Coisa estranha, ? Achei bizarro.

Levei a mão até a pedra do meu pingente e desviei o olhar. Por mais que fosse absurdo, uma onda de culpa me sondava toda às vezes em que eu pensava sobre isso.

Não que eu tivesse arremessado alguém longe, mas... caramba! Eu também estava ali, mas nada aconteceu...

.... Como no dia do incêndio...

— Karol?

Sobressaltei, puxando a mão que ele tocou. Benjamin franziu o cenho, sem compreender a minha reação.
Droga! Com ele não! Ben é a única parte mais real da minha vida. Tudo de mais verdadeiro que eu tive após sair do orfanato.

— Desculpa. E-eu... eu ando à flor da pele, sabe? São tantas mudanças, a escola também não ajuda. Não sei porque tanto trabalho e prova! Eu, definitivamente, não consigo acompanhar essa... essa merda de vida de adolescente normal! Isso é muito chato, Ben. É péssimo!

— Karol, calma. — Com mais cautela ele segurou a minha mão nas suas, afagando carinhosamente. — Eu sei como essa fase é horrível. Também já passei por essa merda toda. É uma época de descoberta, de escolhas, de se encaixar em algo, ou não também. Mas, seja como for, não se esqueça de quem você é. É isso que faz toda a diferença.

O Príncipe LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora