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Sempre que eu passava pelos portões do orfanato eu me perguntava qual tinha sido o pensamento da mamãe ao entrar ali, do que ela fugia, o que tanto lhe afligia e, pior, porque o papai não a ajudou?

A Madre Superiora havia me dito que a minha mãe chegara ali com ares de desespero, completamente assustada, perdida em medos e problemas. Seu único foco era me salvar, por isso confiou a minha existência à igreja e às irmãs. Para mamãe não existia lugar mais seguro.

E talvez ela até estivesse certa se não fosse um fato imutável: ninguém foge de suas origens.

Mesmo que eu tivesse conseguido ser adotada por uma boa família e fosse amada e protegida, ainda assim, meus dons viriam à tona e muito provavelmente eu teria que me afastar deles e seguir o meu caminho. Afinal, querendo ou não, sou uma bruxa e aqui não é o meu lugar.

— Saudades?

Virei a cabeça ligeiramente e cruzei os braços, observando a jovem freira que se aproximava com um semblante muito calmo.

O jardim do orfanato estava vazio. As garotas provavelmente estavam em suas aulas de catequese. Era comum que o horário da tarde fosse mais calmo; diferente da manhã onde todas andavam pelas redondezas, distraindo-se um pouco de suas realidades.

— Um pouco de nostalgia, acho. — Dei de ombros, respondendo à pergunta da freira ao meu lado.

Ela era Lucy, uma velha companheira de orfanato.

— Fico feliz em revê-la, Karol. A Madre ainda fala muito sobre você. Ela te vê como um exemplo, porque apesar de tudo, continuou trabalhando, estudando, esforçando-se para ser alguém melhor.

Sorri, mas foi um mero impulso de deboche. Se ela bem soubesse...

— Então quer dizer que você decidiu mesmo ser freira? — Retruquei, mudando de assunto. — Quando éramos crianças e vivíamos juntas pra cima e pra baixo, você sempre falou que queria conhecer um grande amor e viajar o mundo todo.

Lucy sorriu, cruzando as mãos atrás das costas.

Suas feições eram angelicais e sempre gentis. Nunca a vi fazer nada de errado. Era pacífica. Quer dizer, menos quando a Ivy entrava na jogada. Elas nunca se gostaram, porque Lucy a achava uma metida.

— A gente muda de ideia. — Disse, dando de ombros. — Bom, falo por nós, porque aparentemente mudamos muito. Mas não falo pela loira azeda.... digo, a Ivy. Porque ela, que Deus me perdoe, continua igual. Uma grande.... uma garota complicada.

Abafei um riso e assenti, concordando plenamente.

— Ela apareceu por aqui?

— Às vezes ela vem com os pais adotivos trazer doações. Parece até que tem nojo de nós.

— Posso imaginar perfeitamente. Você não sabe como ela é na escola. Péssima!

— Ah, isso é de se esperar. Ela nunca foi flor que se cheire mesmo.

Acenei positivamente e ri. Era bom saber que apesar de todo o amontoado de coisas ruins que aconteceram, ainda havia algo pelo qual dar uma risada ou outra.

— Bom... — Pigarreei, olhando em volta. — Sabe onde a Madre está? Ela disse que ia me esperar no jardim, mas acabei demorando um pouco.

— Acho que ela passou agorinha por aqui, pouco antes de você chegar. Deve ter ido em direção ao jardim das rosas mesmo. Quer que eu vá chama-la? Você pode esperar lá dentro. Está tão frio aqui.

— Ah, não. Não se incomode. Eu... quero ver o jardim. Sinto falta da época em que cuidava das flores. E quero conversar um pouco com a Madre também.

O Príncipe LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora