Quando eu era criança e alguma família ia até o orfanato, eu pensava que seria a minha chance. Sempre esperei uma gota de amor. Não um oceano. Apenas uma gotinha de afeto, algo em que me resguardar nos dias ruins. E quando alguém me levava para casa, meu coração dobrava de tamanho.
Era legal arrumar as malas. Foi muito bom das duas primeiras vezes. Eu tinha uma porção grande de esperança. Quando entrava no carro e me levavam dali, o vento parecia mais gostoso, o ar era mais limpo e tudo aparentava alegria. Acho que era a liberdade que deixava tudo belo.
Eu abraçava a mudança com os braços abertos como se pudesse voar.
Mas daí, alguns dias depois, as famílias costumavam mudar de opinião. Às vezes não estavam prontas, outras vezes os filhos biológicos não me aceitavam, e tinham aqueles que só percebiam a responsabilidade de adotar alguém quando o tinha em sua casa.
E então me devolviam. A mercadoria defeituosa — como me apelidaram por um bom tempo.
Esses pensamentos me vem à mente enquanto Ruggero pilota a sua moto pela estrada praticamente vazia. Como das vezes em que fui adotada, tudo parecia perfeito. O vento açoitando os meus cabelos, o ar gélido abraçando o meu corpo quente de encontro ao dele, a sensação de invencibilidade que agitava o meu sangue, acordando os meus sentidos entorpecidos pelo remorso e a dor.
Por todo o trajeto que trilhamos, eu me vi dando alguns sorrisos.
O mundo era um borrão à nossa volta. E quando as casas começaram a ficar pra trás e a placa com o nome da cidade se aproximou anunciando seu fim, eu fiquei curiosa.
— Para onde estamos indo?! — Perguntei bem alto, por causa do barulho do vento.
Pensei que ele não tinha me ouvido, mas depois ele balançou a cabeça, manobrando a moto para sair da estrada.
— Você vai ver. — Respondeu, pragmático.
Eu não fazia ideia de quanto tempo estávamos na estrada ou se eu sequer deveria ter aceitado aquele passeio, contudo, depois de tudo o que passei, já não me cabia mais ter medo.
Quer dizer, o que eu tinha a perder? Pavor da morte eu já não tinha mais. O que viesse era até lucro.— O penhasco? — Indaguei, franzindo o cenho.
Tínhamos deixado a estrada para trás e percorríamos uma estradinha de terra batida. A floresta abrangia todo o espaço, abrindo-se diretamente nesse penhasco. Lá embaixo, pelo o que eu lembrava, ficava uma praia pouco visitada, quase ninguém ia ali, porque o frio nunca era um bom clima para banhos de mar.
Ruggero guiou a moto por poucos metros, então parou. Eu fiquei um pouco desconcertada, encarando o céu sombrio. Não havia nenhum sinal de luz solar. As nuvens eram escuras e densas, e uma névoa pálida pairava em volta de nós, como um véu.
— Espera aí. — Ruggero disse de repente, arrancando-me dos meus pensamentos. Ele pulou para fora da moto, fazendo com que eu retirasse os meus braços que rodeavam seu corpo. — Vem. — Sibilou, me tirando da moto numa facilidade absurda. Foi tão rápido e suave que mal senti quando pousei no chão.
Eu realmente não esperava tanto cuidado vindo dele.
Fiquei um pouco desnorteada, fixando os pés com força no chão. Ele, por outro lado, trocou um olhar rápido comigo e se afastou um pouco, olhando em volta, como se também estivesse sem fôlego com a vista do lugar.
— Parece coisa de filme. — Comentei, meio sem jeito, enfiando as mãos dentro do meu casaco molhado. — Nunca vim até aqui. Acho que nunca nem pensei nisso...
Uma parte minha pensou em recuar e pedir para ser levada para casa, admito. Eu estava completamente molhada por causa da chuva, minha roupa estava grudando no corpo e minha mochila já deveria estar empapada d'água; porém, como sou a dona das más decisões, fiz o caminho inverso e tentei ficar o mais perto dele, aproveitando daquele calor que sempre emanava de seu corpo.
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O Príncipe Lobo
Fantasy#1° Em Ficção dia 22/09/2022 ~ #3° Em Juvenil dia 22/09/2022 "Desde quando completou sua transformação em lobo aos quinze anos, Ruggero Pasquarelli resolveu que abdicaria do trono e viveria pelas florestas de Hidden, o submundo onde nasceu. Ele não...