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— Não! — Gritei me levantando da cama; despertando.

Meus olhos úmidos de lágrimas sondavam o mundo a minha volta, mas eu reconhecia cada uma das quatro paredes. Era o meu quarto minúsculo. Adiante ficava uma cozinha pequena com armários amarelados descascando, um fogão velho e uma geladeira branca encardida que comprei de segunda mão.

Do outro lado, uma sala. Quer dizer, deveria ser uma sala, mas era uma extensão do meu quarto, porque a casa não tinha paredes divisórias, então eu tecnicamente coloquei a minha cama no que deveria ser a sala. Tinha até uma televisão, mas não funcionava. Acho que irei vender no ferro velho e ver quanto pego nela.

O fato era que eu estava em casa. Em casa e não na rua.

Isso não fazia o menor sentido. De jeito nenhum. Contudo, os meus olhos apavorados encaravam o chão e não tinha nada de lama e terra batida. Apenas peças de roupas minhas estavam entulhadas por ali, como eu sempre deixo, porque sou extremamente desorganizada.

Não! Aquilo não pode ter sido só um pesadelo. Era real demais!

Estarrecida, joguei as pernas para fora da cama, constatando que não troquei de roupa. Eu ainda estava com o jeans sujo de lama e a minha blusa azul de mangas longas. Até os tênis! Eu nunca dormiria assim. Quer dizer, não conscientemente. Meu Deus! Não faz sentido!

Arranquei a blusa empapada — não sei se de suor ou de chuva — e a deixei cair em cima de outra pilha de roupa suja; caminhei devagar até uma cadeira que ficava no canto da parede e estiquei a mão, tocando na minha mochila. Mas isso não foi o que chamou a minha atenção, mas sim o meu guarda-chuva que estava ao lado, escorrendo água pelo piso de madeira descorada.

Eu o tinha deixado cair... Ele ficou para trás, então... Como isso veio parar aqui?

Sacudi a cabeça com força e corri as mãos pelos meus cabelos embaraçados, então cambaleei para trás, caindo sentada na cama de novo, com o olhar perdido, relembrando dos detalhes do que tinha acontecido, sem saber exatamente como encaixar as coisas.

Eu tinha saído da biblioteca... chovia muito... a rua ficou escura... um cachorro começou a....

O cachorro!

Isso também foi delírio? Não. Eu o vi. Ele era enorme, tinha uns olhos amarelos e um pelo acinzentado. Era firme como uma rocha e seus dentes afiados refletiam a luz dos relâmpagos que caiam sobre nós dois; pouco antes de ele se lançar sobre mim.

Sobressaltando-me, estiquei os braços e os olhei de uma ponta a outra, procurando qualquer sinal daquele ataque, contudo, não havia um arranhão sequer, a não ser....

Desajeitada, desabotoei a calça e a tirei depressa, jogando-a para qualquer lado. Depois, eufórica de tanta adrenalina, apalpei meus joelhos com as mãos trêmulas, percebendo que eles sim estavam bastante arranhados, inclusive com filetes de sangue que escorriam pela minha pele pálida.

A queda foi real! Isso aconteceu mesmo!

Então o resto também poderia ter acontecido, não é? Quer dizer... Cair já era parte da minha rotina. Eu provavelmente nasci com dois pés esquerdos, mas, meu Deus, eu tinha caído ao fugir do lobo. Ele queria me pegar. Ele ia me matar! Eu me joguei no chão para me defender.

Porém... como eu cheguei aqui? As coisas ainda pareciam estar em seus devidos lugares. Nada incomum. Fora o sangue que gotejava do meu joelho através de um buraquinho aberto por causa do impacto da queda, nada mais doía ou indicava que eu havia sido brutalmente atacada por um animal selvagem.

Isso é loucura! O pessoal da escola está certo. Ou melhor, o pessoal da cidade inteira está certo. Eu não sou normal. Há algo de extremamente bizarro me perseguindo... Algo que parece pronto para me alcançar. Talvez já tenha alcançado.

O Príncipe LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora