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Dormir foi praticamente impossível naquela noite. Quando Cass e Ben me deram uma carona até em casa, fiquei bem inclinada a pedir que eles entrassem e ficassem um pouco, contudo, desisti. Eu já tinha dado preocupação demais aos dois, e não parecia nem um pouco lógico ter medo de ficar sozinha.

Nunca fui disso, na verdade. Não sei porque me apavorava tanto a ideia de estar no silêncio do meu pequeno apartamento, ouvindo os meus pensamentos, relaxando até finalmente pegar no sono.

Talvez uma parte minha — uma parte que eu nunca tinha visto antes — estivesse escondida no fundo da minha mente e agora quisesse aparecer para trazer à tona os traumas que abafei durante a vida inteira.

Porém eu não queria ser refém das mazelas que me aconteceram. Eu não estava disposta a perder a cabeça. Prometi a mim mesma que seria firme quando saísse do orfanato, que provaria a todos que eu não era o que pensavam sobre mim.

E não posso sair da minha meta. Sou mais forte do que isso.

O único problema era que... algo estava errado naquela noite.

Eu dispensei o jantar e me enrosquei nos lençóis ainda muito cedo. Cobri até a cabeça e me afundei no colchão, deixando todas as luzes acesas. Contudo, por mais confiante que eu me sentisse, isso não impediu que um sonho muito estranho me alcançasse rapidamente.

Devo ter tentado abafar meus gritos com o travesseiro, mas ainda despertei com o corpo todo trêmulo e com gotas de suor pela testa inteira. O meu cabelo grudava na minha nuca e o meu coração parecia prestes a sair pela boca. E não importava o quanto eu tentasse dormir depois, a mesma imagem me surgia; cada vez mais nítida.

Só quando a luz fraca da manhã se infiltrou pela névoa do outro lado da janela foi que tive coragem o suficiente para afastar os lençóis e fitar o mundo ao meu redor, entretanto, optei por não me mover tanto. Porque por mais que eu tentasse afugentar aquele sonho dos meus pensamentos, ele persistia, claro como a água cristalina do lago que ficava perto da floresta.

Era óbvio que eu estava completamente impressionada pela história do lobo do outro dia, porque apesar de tudo o que tinha acontecido com o motoqueiro maluco, foi o maldito lobo que surgiu no pesadelo.

E dessa vez eu não o via no meio da rua. No sonho nós estávamos no meio de uma mata que eu sinceramente não conhecia, mas que tinha árvores tão grandes e floridas que suas copas impediam que o sol adentrasse, deixando tudo muito sombrio a nossa volta.

Lembro-me de sentir um calafrio e depois uma quentura quase insuportável, e então, quando me virei, lá estava ele.

Seus olhos me lembravam dois sóis. Dois sóis que ao mesmo tempo que queimavam também pareciam pedras brutas. Era um olhar hostil, intenso e cheio de segredos que ele jamais me contaria.

Assustada, eu cambaleei para trás e meus pés se enroscaram nas raízes altas, daí eu cai, esbarrando com as costas no tronco de uma árvore, batendo forte com a cabeça.

O lobo não pareceu se compadecer da minha dor. Ele continuou avançando sobre mim. Suas presas estavam expostas, famintas. Eu sabia o que ele queria, algo me dizia que não daria para fugir, dava para apalpar sua ânsia de me ferir... Não parecia existir uma saída.

Ele farejava o meu medo e de algum lugar da mata alguém deu uma risadinha. Uma risada cheia de significados.

É ela, Alteza, é ela! — Disseram, mas não vi ninguém, só pude escutar a voz. — É ela! Traga-a para mim... Traga-a para o reino!

Eu queria perguntar do que se tratava, mas quando abri a boca a minha voz não saiu. E no momento em que olhei para baixo entendi o motivo: de algum modo que não pude compreender, uma versão minha estava morta. Sangue jorrava do meu pescoço e pequenos vermes roíam a minha carne. Adiante, o lobo observava. Ele abaixou a cabeça e desviou o olhar, mas não fez nada. Só ficou ali...

O Príncipe LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora