33 x nossos filhos nos odeiam pra valer

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Ao entrar no camarim, Kalmia pode ver um pequeno sorriso sob os olhos de Kakashi. O gesto singelo dele é mais do que o suficiente para fazê-la sorrir imensamente.

─ Onde estão as crianças? ─ fica na ponta do pé para beijar o rosto do homem que a cumprimenta e senta em um dos divãs encostado na parede. 

─ No hotel.

─ Só vou trocar de roupa e tirar essa maquiagem e já vamos lá ─ ela fala tão rápido, tão animada, e desaparece tão depressa que o marido nem se atina em responder. Kalmia ainda estava extremamente eufórica por conta da apresentação e seu coração ainda batia tão quente e satisfeito que de imediato, não captou nada nas feições de Kakashi.

Ela precisou voltar sem todo aquele brilho, batom vermelho e incontáveis camadas de tule para então perceber: o jeito que Kakashi estava sentado era estranho. 

Não que tivesse algo de diferente. A postura ainda era a mesma postura impecável de sempre e a forma em que ele cruzava as pernas também era totalmente familiar. Talvez fosse o modo em que ele estava olhando para o tapete... Ah, sim ─ a bailarina pensa ─, ele baixou a bandana sobre o olho novamente. 

O detalhe que passaria despercebido por qualquer pessoa, não passou pela triagem dos olhos de sua esposa.

A fez se aproximar, massageando o próprio couro dos cabelos por conta do desconforto de ficar tanto tempo com os fios presos e logo disparar:

─ Algo errado?

Agora Kakashi ergue os olhos do tapete para o rosto dela e se pergunta, num lapso, se em algum momento do dia ele chegou a dizer o quão bonita ela estava. Deduziu que, pelo pouco tempo que tiveram juntos, a resposta fosse não, mas ele abordaria este assunto uma outra hora. Optou por começar pelo que era mais urgente, então batendo levianamente a mão sobre o espaço no estofado em que estava sentado, ele a convida para se sentar.

Kalmia se aproxima e senta um tanto inclinada para ele, os olhos se arregalam e olham ligeiramente para a porta e janelas quando o marido puxa sua máscara, livrando-se do pano como quem precisa respirar um pouco melhor.

─ Alguém pode entrar! ─ a preocupação dela era inocente, Kakashi pensa. ─ Você está bem? O que aconteceu? ─ ele não se dá ao luxo de fechar os olhos para sentir o toque carinhoso em sua testa sobre a bandana até se arrastar pelos fios que já estavam quase totalmente brancos ao invés de prateados.

─ Kal ─ ele pega a mão dela e apenas com isso, Kalmia sabe que ela não gostaria do que iria ouvir, mesmo assim, é pega totalmente de surpresa quando o marido fala sem nenhuma cerimônia: ─ Kakeru e Kaizuka sabem sobre Katrina. Eles sabem também sobre o seu estado na época em que o Kake nasceu, a estadia dele no hospital e o motivo. Kaizu acha que vamos colocá-los na adoção, então está com medo de mim. Kakeru está com raiva.

Kakashi para de falar e lhe dá seu tempo.

E Kalmia levou bons segundos para assimilar o que ouviu.

Ao contrário de 89% dos cenários que Kakashi havia imaginado para sua reação, a mãe das crianças não chora.

Na verdade, nem um lampejo de lágrimas é visível em sua linha d'água, o que faz seu marido se questionar, querendo saber se desta vez seria mais fácil ou até mesmo ainda mais difícil do que outros dos momentos dolorosos mais marcantes que tiveram nos últimos anos.

Mas depois de um longo instante de silêncio, olhos incrédulos e o lábio totalmente avermelhado depois de ser muito mordido em sinal claro de nervosismo, ela gagueja:

─ O-o quê?

Kakashi não sabia se o seu "o quê" era uma pergunta retórica, mas ele podia se considerar um pouco nervoso quando respondeu:

─ Fomos descobertos, meu amor. E nossos filhos nos odeiam pra valer.

Foram longos minutos no mais absoluto silêncio após a informação. A verdade é que, desde que fitou os filhos da entrada do cemitério de Konoha, Kakashi decidiu quem, dentre suas personagens, iria lidar com isso. E quem o vai fazer é, na sua opinião, a sua melhor versão: o Ninja da Folha.

Se o Kakashi-pai lidasse com isso, ele provavelmente não conseguiria ser tão calmo e centrado como a situação exige e isso afetaria o Kakashi-marido. Este último provavelmente seria mais um fardo para Kalmia ter que carregar.

Kakashi-sensei seria de grande ajuda, mas ainda sim, poderia não ser tão decisivo quanto o necessário. Só sobrou ele. Tudo o que ele sabia ser.

É por isso que ele estava de pernas cruzadas e com aquele par de olhos cinzentos que encaram Kalmia, sem de fato transparecer nada. Seus filhos o odiavam. Tinham medo dele. E diante de sua experiência, isso não significava nada.

Agora só restava ela.

Kakashi estava aguardando, no camarim do outro lado do mundo, que a mulher que ele escolheu passar todos os dias da sua vida, tomasse uma decisão. 

Quem reagiria à descoberta de seus passados no corpo de Kalmia?

Ele estava em silêncio observando seus movimentos, e ao contrário do que pensou, apesar de ter gaguejado e engolido um susto que quase a engasgou, os olhos não estavam úmidos. A respiração não estava alterada. Suas mãos não tremiam. Kalmia não parecia com medo.

─ O que exatamente eles sabem? ─ Kalmia se aproxima novamente do marido. A verdade é que Kakashi não conseguia interpretar muitas emoções apenas com seu tom de voz e isso era tudo o que ele tinha, já que o rosto de sua esposa estava totalmente parcial.

─ Tudo ─ diz. ─ Desde Kakeru não ser planejado, ter sido rejeitado, sua fase depressiva, a internação. Que Kaizu é gêmea, inclusive acham que "nos livramos de Katrina e vamos nos livrar deles também" ─  os olhos de Kalmia se expandem sob o espanto causado pelo que ouvia.

─ O quê? ─ quase grita, incrédula.

─ Kakeru já me odiava porque descobriu exatamente o que a Anbu significava e além de tudo me acha um hipócrita já que eu sou totalmente pacifista e a organização não passava de um grupo de homicidas legalizados pelo governo da época. Não tive tempo de me explicar, nenhuma letra foi dita e a verdade é que, por mais que me doa absurdamente, como eu me sinto não é importante. Eles acham que são indesejados e por algum motivo estão com medo de mim.

─ Como você vai explicar sobre a Anbu para eles?

Kakashi suspira.

─ Como explicar a guerra pra quem vive em um tempo de paz?

Kalmia torce o lábio. Não sabia o que falar. Tão pouco sabia como iria reagir ao abrirem aquela porta.

─  Somos os adultos, Kakashi. E eles são apenas crianças. Que tipo de pais seríamos se não conseguíssemos encarar as nossas crianças e consolá-las de uma dor que nós mesmos causamos?

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⏰ Última atualização: May 13 ⏰

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