Capitulo 22 - Egoísmo

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"Era uma noite ventosa de outono, as folhas começavam a cair das árvores e pingas leves de chuva começavam a cair de vez em quando durante a semana.
Aproximavam-se tempos difíceis para nós aviadores.
Somos ensinados e treinados para voar em qualquer tipo de clima, mas as chuvas fortes e ventanias que se começavam a manifestar assustavam qualquer um.

Por causa do clima, não tínhamos ido ao bar, ficámos pela base na companhia de vinis antigos que haviam na sala comum e alguns whiskys que para lá tinham.

Já ninguém estava nas melhores condições, nada exagerado, mas sim algo típico de sexta à noite em que devíamos aproveitar o início do fim de semana.
De manhã não teríamos aulas então era daqueles dias em que exagerar não seria problema.

Eu estava encostada à mesa de bilhar com o meu copo com Jack Daniels na mão quando Rooster aproximou-se de onde eu estava, deu lance para se sentar na mesa de bilhar e assim que o fez, deitou-se nela.

-'Tás bem? - questiono com as palavras cortadas com riso

-Se tiveres uma irmã gémea da qual eu nunca soube da existência e ela esteja ao teu lado, então eu estou mais que bem.

-Definitivamente alguém não aguenta dois copos de whisky.

-Olha quem fala. - refuta

-Eu estou muito bem não sei do que estás a falar. - era mentira, para que conste

-Ai é? Então quantos dedos tenho aqui? - mostra-me quatro dedos

-Nem tu sabes quantos dedos levantaste. - digo e assim que o faço ele desce três deles para me mostrar o dedo do meio

-Parece que tens outra vez 15 anos. - sento-me ao seu lado

-16 anos. - corrige-me - Já passava da meia noite. - ri e eu também o faço

Eu e o Rooster tínhamos ótimas histórias de vida juntos, uma delas foi a nossa primeira bebedeira.
Passávamos os nossos aniversários sempre juntos e naquele ano, no aniversário dele estávamos em minha casa sozinhos e abrimos uma garrafa de whisky que o meu pai tinha para lá guardada. Embora a dor de cabeça no dia seguinte fosse realmente má e desagradável, essa noite é das lembranças mais engraçadas que tenho com ele.

-Pergunto-me se alguma vez o meu pai perguntou-se porque é que aquela garrafa desapareceu. - rio e vejo que ele também o faz.

Acabo por me deitar ao seu lado.
Deixando-me embalar pelas leves tonturas da bebida e pelo barulho do ambiente.

-Não era mais fácil se todos aprendessemos a perdoar as pessoas mais facilmente?

-Isso foi uma farpa para mim? - questiona

-Não. - mais uma vez, mentira. Porque será que bêbada minto tanto?

-É que eu senti que foi.

-Mas não foi.

-Tens a certeza?

-A sério que vais discutir comigo? - aumento a voz

-Foste tu que começaste. - insiste, mas eu calo-me.

Estava farta daquelas discussões inúteis então simplesmente desisti de lhe responder e deixei que o nosso silêncio fosse invadido pelas vozes e risos dos outros junto ao som do vinil que tocava "You've lost that lovin' feeling".

Breves momentos depois ele interrompe todo o ambiente para me falar outra vez.

-Tens razão. - pega na minha mão e entrelaça-a à sua - O mundo seria mais fácil se nós deixássemos de ser uns cabrões egoístas e aprendessemos a perdoar.

Pergunto-me se era realmente necessário ter deixado que aquela discussão tevesse afetasse tanto a amizade que tínhamos. Sinto de quando não aguentávamos ficar 5 minutos sem nos falarmos."

--//--

Faziam 15 minutos que eu tinha pousado e nada deles.
Tudo tinha corrido bem.
Mas eles não voltaram.

Estava sentada numa cadeira da sala do navio de cotovelos apoiados nos joelhos e cabeça baixa, na tentativa de me acalmar. A minha respiração era pesada e Phoenix ao meu lado andava nervosamente para trás e para a frente.
Apetecia-me vomitar, gritar, chorar, berrar, espernear. Tudo o que possam imaginar.
Mas eu continua a tentar controlar a minha respiração e os meus atos.

Foda-se lá as regras de não envolver sentimentos com trabalho.

O Maverick não voltara.
O Rooster também não.
Eles não voltaram.
Bradley voltou para trás para salvar o Maverick, sendo que este poderia já estar morto com a queda. E agora ele arriscava-se a perder a vida também.

Sentia-me tão incompetente por não poder fazer nada...
Estava sujeita a perder duas das pessoas mais importantes da minha vida.
E eu não tinha feito nada.
Não voltei para trás.

Fraca.
Estúpida.
Miserável.

-Dagger suplente 1, prepare-se para voar e escolha rapidamente um asa para o acompanhar. - um som do meu rádio alerta-me

Existe alguma hesitação por parte do Hangman que está no dagger suplente 1,mas fico surpreendida com a sua resposta.

-Solicito a Alaska como minha asa, almirante. - Hangman diz

Levanto a cabeça chocada.
Eu ia poder fazer aquilo que estava até agora a pensar. Salvá-los.
Com isso, consegui ver aquilo que chamam de luz ao final do túnel.
É uma sensação estranha que não consigo definir como boa ao má. É má porque implica que algo de muito mal, tão mal a nível que te faça perder tanto as esperanças, acontece. Mas implica também um sentimento de coragem, motivação.

-Permissão concedida. Tenente Kazansky, dirija-se de imediato ao Dagger suplente 2.

Olho desesperada para Phoenix, que vem até mim e abraça-me. Tremo por todos os lados pelo nervosismo de voltar a voar.

-Detetamos no radar a presença de um f-14 dando sinais de ser nosso aliado, trata-se do Maverick juntamente com o Tenente Bradshaw.

Eu encontrava-me a andar em caminhada rápida e assim que oiço esse aviso começo a correr em direção a avião.
Não sei de onde tirei forças, em momentos como estes nunca sabemos de onde tiramos forças.
O desespero é tanto junto com a dor e o risco de perdemos quem amamos que recorremos a forças as quais nem sabíamos da existência para conseguir fazer tudo e mais alguma coisa.
Eu não podia ser um cabra egoísta.
Não agora.
Não enquanto o Rooster e o Maverick estavam ainda em perigo.
Não enquanto o meu melhor amigo estava em risco de não voltar.

Entro na parte da frente do Dagger e abro o rádio para falar com Hangman.

-Tens a certeza que me queres aqui? - questiono

-Não preferia ter mais ninguém. - ele diz sorrindo e piscando um dos olhos para me fazer rir

Solto um leve riso e o Almirante interrompe-nos.

-Permissão para preparem a descolagem. - faz uma leve pausa - Eles estão vivos, cabe a vocês e ao vosso talento e ajuda trazê-los para casa. Boa sorte. - diz de voz persistente

Suspiro ao clicar em todos os botões que conheço para dar início à descolagem. Não estou habituada aquele lugar que geralmente era da Phoenix, do meu pai, do Rooster, do Maverick, e não meu.
Respiro fundo mais uma vez antes de puxar a última alavanca.

-Fala comigo, pai. - aperto os medalhões dele que trago ao pescoço

TopGun - A Ascensão De AlaskaOnde histórias criam vida. Descubra agora