Capítulo XXIX - Tempo

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Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. - Clarice Lispector

Roo as últimas sobras de unha que minha mão tinha, encarando as pequenas bolhas que davam textura ao teto de material sob minha cabeça, odiando o silêncio do apartamento, odiando a falta de casos ou as férias forçadas após sequestro, mas odiando, principalmente, o silêncio dez ou vinte vezes mais. Esse vácuo sonoro externo, que me obriga a pensar e dentro da minha própria mente tudo parece tão turbulento. Eu queria ser corajosa o suficiente para ligar, corajosa o suficiente mandar uma mensagem ou apenas ir e esclarecer tudo frente a frente, mas porque isso parece tão dúbio? Se encaixar em outro ponto aberto? Talvez as expectativas sejam tão maçantes, pois eu já tenho quase como calculado o fim de tudo e eu odeio finais.

(...)

Brinco com o canudo no copo, observando brevemente todos focados no caso de um menino que fora sequestrado. Eu só preciso minha mente aqui e não viajando para o engravatado que nem havia direcionado os olhos para mim hoje.

- Vamos - exclama Luke, batendo em meu ombro. Levanto sem protestos e sigo atrás do mesmo até a SVU, quase parando no meio do caminho para arrancar uma flor e brincar de bem-me-quer, mal-me-quer - Então...- Alves inicia, dando partida no carro.

- Não - falo, cortando qualquer tentativa de conversa.

- Você não quer falar sobre o que aconteceu? A Penélope parecia preocupada - comenta, tentando uma abordagem emocional. Respiro fundo.

- Eu matei a garota que era aparentemente obcecada pelo Spencer e agora eu estou fingindo para mim mesma que estou dando espaço para ele lidar com o que aconteceu e nós ficarmos bem novamente - falo, dando o melhor sorriso que posso. Eu não consigo.

- Fingindo? - pergunta, desviando os olhos da estrada e me olhando compreensivo. Odeio isso.

- Eu não sei, Luke,,, - exclamo em voz alta, confusa demais.

- Helena, o que exatamente Cat Adams fez com vocês aquele dia? - questiona, parecendo assimilar algo em sua mente.

- Ela fez ele escolher entre JJ e eu, quem deveria morrer...E eu sei que talvez eu tenha pedido por isso, pedido para ser escolhida, mas algo me dizia que isso iria acontecer, tentei tornar as coisas mais fáceis mas...Eu queria ser escolhida para algo bom, às vezes - brinco, engolindo a sensação angustiante que dizer isso causava.

- Olha, por que você não tenta conversar com ele...- inicia, parando o carro em meio a estrada e se virando para mim, como um irmão preocupado.

- Não sei, Alves, não é hora para sentimentalismo, certo? Tem uma criança desaparecida - afirmo, me virando para janela e observando a rua à nossa volta, desviando do olhar de compaixão que me dá calafrios. Sinto seu olhar em mim por mais alguns instantes, escuto respirar fundo e então o carro volta a andar. Não é hora, mas quando vai ser?

(...)

O problema sou eu? Minha falta de ação? Meu silêncio...ou é a voz que dentro de mim que grita que estou fazendo o certo, agindo de forma passiva, esperando que de alguma forma a situação se resolva. Será que existe uma situação? Será que não é algo que criei na minha mente ou foram apenas as reações ou falta delas que me fizeram acreditar nisso. Afinal o que é isso? O quê eu preciso falar para que Spencer dirija seu olhar novamente para mim? O que eu preciso fazer para que ele não me evite, ou pareça evitar. Foi uma escolha dele, porque eu me sinto culpada? Errada? Estranha. Por que ele não tenta como todas as vezes que aconteceu algo e ele não era o culpado, mas culpado de que? Ele não é o culpado, mas quem é? O que é? Nós, devia sermos nós unidos, devia ser sua voz me chamando e acordando de um pesadelo, devia ser eu o atrapalhando em sua montagem de perfis geográficos. Eu não sei, porra...essa voz, essa maldita voz dentro de mim fica sussurrando que já era, que talvez eu tenha criado algo que não era e que nunca vai ser, e ao mesmo tempo ela me mostra que Spencer talvez tenha percebido isso ao me escolher naquele dia. E eu quero, eu quero tanto acreditar que ele só fez essa escolha porque era o que eu também queria, mas era algo que talvez eu não quisesse ou queria. Queria! Eu queria, sim! Mas dói, doeu...mas não é justo com ele, não é algo que ele quisesse fazer, mas por que ele não está aqui para mostrar que se arrepende? Por que ele não olha para mim? Por que ele está no mesmo maldito ambiente comigo e não me diz pelo menos ''oi''? Por que eu não consigo aceitar que talvez ele só precise de um tempo para pensar? Por que eu não paro de surtar em meio a um caso e faço a merda do meu trabalho?

Leave Me Lonely  •  Criminal Minds (Reescrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora