° Capítulo 23 °

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Meu estômago revira as memórias da noite passada, virando seus vestígios boca a fora.

Afirmo minhas mãos naquela espécie de cama - ou maca, tanto faz -, repousando minhas costas no seu velho e empoeirado colchão.

Um ronco desce da cama de cima - e caso não for Nikki, não é ninguém importante.

Aliso minhas têmporas, me perdendo no ronco alheio. Quem me dera eu estar dormindo, e não ser a primeira a acordar, numa situação tão... confusa?

Palavras não descrevem a vergonha e confusão de agora, como jamais descreveriam tal noite agitada.

Eu só queria respostas. Mas na verdade, isso foi o que procurei a vida toda, e poucas me deixaram satisfeitas. Não sei se quero -  ou não - , se devo - ou não - , ter respostas do que aconteceu. Não sei se estou disposta a escutar. Não sei se há alguém para me auxiliar.

Gargalhadas extremas atravessam a intensa ronqueira do meu amigo. Sigo seus sons, guidando-me para sair da cama por eles.

Agarro as grades da cela. É uma delegacia de interior, pequena, como qualquer outro estabelecimento que há nesse estereótipo de locais.

Duas celas. Uma qual divido com Nikki. Outra, com um velho, provavelmente bêbado, que dorme sem preocupações.
Uma mesa, que em seu torno forma um pequeno escritório, onde um cara de idade conversa, entre risos, com um garotão de vinte e poucos anos.

─ Não acredito que estamos no Natal, cuidando de dois rockstar's. ─ o mais novo comenta, já o outro, da de ombros, bebendo café num copo de plástico transparente. ─ Será que eu posso pedir um autógrafo pra ela?

─ Não. ─ contesta o mais velho duramente, que por meio de um distintivo, identifico ser o delegado; assim, ele faz o brilho de seu companheiro se diluir, como um ralo sugando água. ─ Estamos trabalhando, não sei se você se lembra disso.

─ Mas é Natal! ─ ele se exalta, saltando da cadeira, mas logo se senta, mostrando mais respeito do que deveria. ─ Não vejo nada de ruim nisso! A gente também pode se divertir, sabia?!

─ Poderíamos. ─ o delegado resmunga, naquele tom de voz áspero e agressor, que geralmente usam em sua posição para manipular os de cargo menos elevado. ─ Se a diversão deles não tivesse causado tanto estrago. Mas todo rockstar's adora chamar atenção. Você deve saber. Escuta as músicas dessas pessoas.

─ Um rockstar não é um rockstar sem ter sido preso... ─ o guri resmunga desanimado, talvez triste, no enquanto, a miragem do delegado me antiga, constrangedoramente.

─ Olha, Otávio. ─ o delegado introduz, pondo-se de pé, e surgindo na ponta da escrivaninha, com a visão tão estranhamente fixa em mim, que me levou a afastar-me das grades. ─ A princesinha acordou. ─ a frase é acabada, carregada por um canteiro sorriso, esquisito e sarcástico.

Isso literalmente me força a apertar a maxilar, quase rangendo meus dentes.

Você ia ver a princesa se eu não estivesse na merda, isso flui na minha mente e o segurar foi como um tapa na cara, seu nojento.

Como pude? Pude ter uma concepção tão rápida de alguém, somente pela transcrição de uma frase? É isso o que acontece, vivendo, vários anos, no corpo de uma mulher.

Já o garoto, me observa, daquela maneira enérgica ao se deparar com um ídolo.

Eu sou ídola do guri? Penso nisso, e ainda pareço não me acostumar. Sou ídola de alguém. Basicamente todos querem um pedaço meu, mas não existe mais pedaços suficientes nem para mim.

A mídia quer pedaços meus, os fãs querem, a empresa, uma futura gravadora. Não existem mais para mim, quem dirá para outros.

Ele se contém. Porém os olhos sempre revelam tudo. Ele se mantém sentado. Mas sua visão me acompanha, meio que me vigiando - talvez ele saiba da índole desse delegado, talvez, somente por isso.

❛ ANJO CAÍDO 2 ❜ ‣ Slash Onde histórias criam vida. Descubra agora