° Capítulo 29 °

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─ Tá' me devendo uma... ─ ele sussurra no meu ouvido, logo atrás de mim, assim que coloquei minhas calcinhas. ─ ... Dona Cristina. ─ completando, puxa o elástico da minha calcinha, indo porta a fora, desaparecendo feito fantasma.

Em um suspiro, sento na cama, observando as coisas ao nosso redor.

─ Temos que lembrar de usar camisinha. ─ repito para mim mesma, em uma espécie de agenda mental.

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Penso nunca ter me arrumado tão rápido.

Top cropped preto, calça pantalona de jeans claro, perfume, creme corporal e de pentear cabelo; o que mais? Rímel e corretivo?
É, acho que sim.

Jogo minhas botas no segundo degrau da escada, encostando a porta do meu dormitório no mesmo que saio dele.

Sento um degrau a cima do qual joguei as botas, tirando as meias dos bolsos das calças.

Minha cabeça entre as pernas, mãos amarrando cadarços com agilidade, olhos cansados que continuam focados, e claro, ouvidos atentos.

Um assobio recatado, passos, após passos, guiados por este assobio; e após, uma voz.

─ Feliz Natal, cunha-

─ Nikki está na cadeia. ─ a frase flue no ar, não sendo passadas por um filtro.

Parado na escada, as mãos de Steven caem dos bolsos.

Me conti para não rir ao ver um semblante desesperado formar-se.

─ Feliz Natal, Steven. ─ amenizo com belas palavras, mas de nada adianta.

O marido do meu irmão da meia volta, indicando pelos traços em seu rosto, que, seu Natal perfeito, foi diretamente pro saco vermelho do papai Noel.

─ Alguém tem que busca-lo! ─ informo, tendo de breve resposta, seu dedo do meio.

Desco para baixo. Sem ninguém na cozinha. Ninguém na sala, mas ruídos ocupam o lado de fora. Vou até a porta, e abro-a, avistando vizinhos, vizinhos de vizinhos, vizinhos nem tão próximos, e minha bela família.

Tracei um sorriso nos lábios, obriguei-me a ser simpática com alguns amigos da família, ouvindo sempre tradicionais elogios. Conversei com alguns vizinhos, e aos poucos, as pessoas foram evacuando, restando somente os de casa.

Os Hudson continuam aqui, mas meio que eles já são de casa, meio que são minha família.

Roubo um copo de cerveja, que pode ser de algum tio meu, de algum primo - vovô não bebe mais, um pouco de vinho, as vezes. Meu pai e meu irmão colocam gelo na cerveja, o que deixa tudo com um gosto terrível, então não podem ser deles -, e sento em uma extensa mesa que aramaram abaixo duma árvore.

Não é bem uma mesa, é uma tábua ENORME posta a cima de dois cavaletes de ferro, e também tem os bancos de madeira.
Madeira bruta, a da tábua, e dos bancos, sem verniz, sem tinta, só a madeira lixada. É bonito até.

Disponho o copo aos meus lábios, ingerido um gole e tanto do líquido. Não está mais tão gelado, nem tão saboroso, mas acredito estar, para não ter que levantar e servir-me de algo realmente gelado e bom.

Pouso o copo na mesa, observando por alguns breves minutos meus primos jogando bola no meio da rua.

São tantos, da pra fazer um time bom, apesar de que sejam mongolóides e não enxerguem os passes corretos. E nesta rua, é muitíssimo raro ter um trânsito absurdo - mais um fator, que me deixa ainda mais apaixonada por cidades pequenas.

Meus dedos seguraram o copo, assistindo a bola rolar, e ao mesmo estar rente a meus lábios, foi tomado de mim por outra mão.

Minha visão se move, e ao vê-la, se distorce.

─ Vocês sempre tiveram um péssimo gosto pra bebidas, meu Deus. ─ Ester critica, inalando o aroma que vem do copo.

Um braço posto na mesa a minha frente. Alguém me escondendo. Meu tio me defendendo.

─ Por que você não procura outra coisa pra fazer, Ester?

─ Por que você não vai procurar algum fiode cabelo nessa cabeça lustrosa, Maurício?

Eu quis rir. Quis muito rir. Mas é meu tio preferido, e apenas eu posso fazer piadinhas sobre sua falta de cabelo.

Engoli o riso, e meu tio bufou, fazendo seu olhar bravo evaporar de mim para ela novamente.

Eu ouvi seu maxilar rangendo, e seus passos formando-se em sincronia do vento.

─ Mexer com o cabelo de um calvo é foda. ─ murmúrio, não a ela, mas sim para mim.

─ Você faz isso. ─ retruca, voltando a deixar o copo na mesa. ─ Posso fazer também.

─ Não. ─ balanço a cabeça, sem olhar em seus olhos. ─ Eu posso fazer isso. É diferente.

Agora olho-a. Ester rola os olhos, sentando próxima a mim.

─ Todo mundo dessa família é insuportável.

Não me seguro. Rolo os olhos.

─ Me pergunto como seu pai vei- 

As olhos dela, percorriam por mim enquanto falava, mas é óbvio que me julgavam, e que tinham que parar, para sua boca comentar algo.

─ Meu Deus, princesa! ─ acaba exclamando, parecendo uma mãe qualquer, preocupada com algo qualquer ─ Como você engordou! ─ continua, sem se importar, agarrando com a mão uma dobrinha entre o cropped e a calça, marcada ao permanecer sentada.

Afastei a mão dela, e com a mesma mão que o fiz, peguei o copo de cerveja.

─ Devia voltar a fazer dietas. ─ recomenda ─ Tenho certeza que a mãe do seu pai está te enchendo de porcarias! Eu odiava quando te dava doces quando você era criança. Você já era uma menina cheinha!

Cheinha. Criou-se um eco na minha mente. Cheinha. Um corte na minha alma.

─ Ai! ─ suas mãos vão até os seus cabelos loiros esbranquiçados, esboçando nojo em sua cara ─ E seu namorado deve te encher para não passar fome. Você devia fazer um jejum... sei lá. ─ as sobrancelhas se apertam e meu estômago torna-se um fino nó ─ Os caras não curtem garotas cheinhas. ─ e um sorriso rasteiro de conta nasce na sua boca, indicando onde meu namorado está ─ Principalmente o seu cara.

─ Ai, mãe, ─ disse que nunca mais ia dizer isso, mas eu disse isso ─ Cala a porra da sua boca, por favor.

─ Já viu o histórico dele, minha filha? ─ Ester segura na minha mão e a ergo junto ao copo para evitar que nossas peles estejam em contanto ─ Acho que todas foram modelo... E modelos são magras.  ─ suas sobrancelhas levantam, fingindo culpa ─ E uma pena mesmo... você... sabe, não ter puxado a mim.

E um sorriso dela acobertou a frase, jogando suas palavras sujas para baixo do tapete.

Olhando-nos  de longe, parecia ser um papo legal, mas nada nunca era legal.

Tentei tomar um gole da cerveja, para esquecer aquilo. Esquecer de mim.

─ É tão... Decepcionante? ─ Ester reclina a cabeça ─ Não se sente decepcionada por não ser mais parecida comigo?

Engoli a seco.

Sim, sim, sim. Chorei por dentro, abafando o barulho com a mão. Eu queria ser bonita como você, velha idiota!

Tentei tomar outro gole do líquido azedo e amarelado. Está ruim. Por quê ainda insisto em algo ruim?

A bebida perto do meu rosto, abaixo dos meus lábios, meu nariz inalado o cheiro de álcool quente, logo intopeceu meus sistemas, causou náuseas ao meu cérebro. Algo quente e viscoso chegava pela minha garganta, não vi nada, e só depois, vi. Vi os sapatos de alguma marca cara de vadia, da minha - não - querida - não - mamãe, cobertos de vômito.

❛ ANJO CAÍDO 2 ❜ ‣ Slash Onde histórias criam vida. Descubra agora