2. caiu de dupla comigo

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1992

- Bom dia, delegada. - Stenio entregou um copo de café para ela, com um enorme sorriso no rosto.

- Bom dia.. - Ela estranhou o copo em sua frente. - Posso saber o que significa isso daqui?

- Café. Pra você. Do jeito que tava na etiqueta quando eu te conheci.

- Você é muito esquisito mesmo. Tu memorizou a etiqueta? - Ela fez uma cara de desdém, achando aquilo o cúmulo.

- Espero que sim! Experimenta aí, vê se tá certo. - Ele encorajou, ansioso.

Helô bebeu do copo e ergueu a sobrancelha esquerda.

- Acertei ou não acertei? Eu acertei sim! - Ele deu uma risadinha maliciosa, colocando a mão dentro do bolso esquerdo da calça social. Levou sua bebida até a boca e deu um gole.

- Posso saber o que significa isso? - Ela apontou a bebida que ele havia trazido.

- Você faltou ontem, e pelo que eu vejo você nunca falta.. Imaginei que alguma coisa aconteceu, e se você quiser falar sobre, se eu puder ajudar.. - Ele se solidarizou.

- Não pode, obrigada. - Ela abaixou a cabeça e voltou a prestar atenção nos papéis à sua frente. - Quer dizer, pode me ajudar sim.

Ele sorriu e se inclinou na direção dela, todo ouvidos.

- Pode me ajudar indo embora. Vai, xô. - Fez um gesto com a mão como se estivesse espantando um inseto. - Xô!

- Na verdade.. - Ele se aproximou ainda mais dela, sussurrando.

Heloísa se afastou a medida que ele se aproximou, encostando as costas na cadeira. Bufou.

- Eu posso te ajudar, sim, de outra forma. O Alexandre passou um trabalho e você caiu de dupla comigo. Mas não se preocupa, anotei tudo, vou passar na sua casa hoje pra gente já começar.

- Você o que? O Alexandre? O professor Alexandre Assunção? Você tá de brincadeira comigo. - Heloísa olhou ao redor, desesperada.

Confirmou a informação com os colegas que estavam ao redor. Era verdade.

- Vem cá, o que você ofereceu pra ele em troca disso? Café grátis? Um carro? Não pode ter sido coincidência.

- Juro que foi. Mas se quiser acusar o professor de ser corrupto.. Eu faço questão de chamar ele aqui. - Stenio se levantou e procurou pelo professor na sala, fazendo um gesto com a mão para chamar a atenção dele.

Heloísa puxou Stenio pela gravata na mesma hora, quase sufocando o colega, e o olhou com o olhar mais fatal que tinha.

- Se você fizer uma gracinha dessas de novo, eu te juro, você é um homem morto. - Ele sussurrou com o rosto bem colado no dele, ameaçando.

Stenio se distraiu demais com a proximidade de seus lábios.

- Você fica linda brava. - Stenio comentou todo sorridente, olhando a boca dela. Estavam muito perto um do outro, porque ela queria falar bem baixo.

Assim que o professor começou a falar ela empurrou Stenio pro lado, se afastando. Stenio fez um gesto para o cara sentado ao lado de Helô sair dali, e ir sentar em outro lugar. Como Stenio tinha contato com todos ali, o garoto obedeceu, e se levantou, indo pro outro lado da sala arranjar um lugar.

Stenio se acomodou.

- Ei. - Ele acariciou o braço de Helô, tentando chamar atenção. - Me empresta uma caneta aí.

Heloísa respirou profundamente.

- Ai, meu São Jorge.. - Ela passou a mão pelo cabelo lentamente, tentando ter calma. - O que eu fiz pra merecer isso? Esse encosto. - Ela olhou para o teto da sala por um instante, conversando com o santo.

Abriu o estojo, pegou três canetas e enfiou em cima do caderno de Stenio com raiva.

- Me deixa em paz.

No final da aula, foi até a mesa do professor.

- Como eu não estava aqui, queria saber se é isso mesmo.. Se eu não tenho a possibilidade de fazer com outra pessoa e..

- Não, não, doutora Heloísa. É isso mesmo, como você pode ver no mural todas as duplas estão designadas.

- Ótimo. - Ela disse, completamente irônica, por mais que quisesse disfarçar. - Pode deixar. Eu só precisava entender melhor. Muito obrigada, mesmo! - Helô sorriu, simpática. Ajeitou a alça da bolsa no ombro e se preparou para sair da sala.

Assim que saiu no corredor, deu de cara com Stenio que começou a segui-la.

- E ai? Falou pra ele que acha que eu comprei ele com um vale café de um ano? - Stenio gargalhou.

Heloísa nem se deu ao trabalho de responder.

- Você é extremamente inconveniente.

Stenio abriu a porta da faculdade para ela passar, e ambos saíram do prédio juntos.

- Vamos nessa. - Stenio abriu a porta do carro para ela.

- Você não vai na minha casa fazer trabalho nenhum, Stenio! Se toca!

- Então você vem na minha, tanto faz. - Ele deu de ombros. - Vai fazer tudo sozinha?

- Eu não vou na sua casa fazer nada, meu querido. - Ela esbravejou.

- Então a gente vai fazer por telepatia? O que que é? Não entendi. Você ouviu o professor. Vai fazer sozinha?

- Vou.

- Ah, vai fazer sozinha? - Ele repetiu, agora ofendido.

- Mesmo que eu faça com você, eu tenho certeza que no fim das contas vou fazer tudo sozinha e só adicionar seu nome.

- Escuta aqui. - Stenio andou até ela, e ela deu passos para trás.

Se viu prensada contra o capô do carro dele, enquanto Stenio se aproximava cada vez mais, apontando o dedo para ela, de um jeito dócil. A voz era fofa, de quem queria convencê-la carinhosamente.

- Você não vai me dizer "não". Eu entendo você não querer ficar comigo.. Mas isso aqui já está passando dos limites. Somos amigos ou não somos amigos?! Se não somos, seremos amigos! Eu tenho direito de fazer minha parte do trabalho, e eu vejo que você está cheia de coisas para fazer.. Deixa de ser tão orgulhosa e aceita minha ajuda! Caramba. Deixa de ser tão autossuficiente!

Helô fingiu morder o dedo dele para ele parar de apontar para ela.

- Tudo bem, eu deixo você ir até meu apartamento. Mas eu juro por tudo, se você fizer alguma gracinha, Stenio, eu te boto na rua e você sabe que eu boto, viu?

- Pode deixar. - Ele assentiu, se afastando alguns passos, ainda segurando a porta do carro para ela entrar.

Heloísa bufou, e entrou no carro dele. Stenio bateu a porta assim que ela entrou, e comemorou escondido sem ela ver. Fez um gesto com o braço, fechando o punho, em comemoração.

"Boa, muleque!" ele comemorou sozinho.

Ajeitou a gravata dando um pigarro, tentando voltar ao normal, e entrou no carro.

Ela nunca poderia saber que ele de fato havia comprado o professor para fazer dupla com ela.

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