memories

3. um beijo, só isso

04 de abril de 1992

Escutou as batidas na porta do apartamento.

- Só pode ser brincadeira.. - Ela respirou fundo, se preparando para abrir a porta.

Assim que ela abriu, Stenio correu os olhos pelo seu corpo inteiro.

- Opa.. Bom dia.. Tá tentando me seduzir, delegada? - Ele ficou vidrado observando a morena na camisola de renda.

- Você não sabe ver hora também? Vou ter que te ensinar? Te comprar um relógio? A gente combinou às 16.

- Sim, eu sei! Maaaaas.. - Ele tentou contornar o quanto ela parecia estar brava, com uma voz gentil. - .. Euu estava aqui por perto e pensei em trazer o almoço. - Declarou ele tirando um pacote de trás dele, que tinha comida para dois, e uma única flor que havia pego no caminho para ela.

- Eu mereço mesmo. Só vou deixar você impune porque eu to com fome. - Ela declarou, pegando o pacote da mão dele e ignorando a flor.

- É o suficiente pra mim. - Ele riu, agradecendo.

Stenio entrou na casa a medida que Helô levava a comida dos dois para a cozinha. Viu um vaso que ela tinha no meio da sala e deixou a flor que havia trazido - e sido ignorada por ela - ali.

- Vai, agiliza. Come logo, trabalha logo, vai embora logo. Não pode ser que esteja demorando tanto, minha parte já está praticamente terminada.

- Você é muito ansiosa, muito apressada, parece que é ligada nos 220! - Stenio foi pegando os pratos, copos e talheres enquanto Helô ajeitava a mesa com a toalha e os guardanapos, e também abria o pacote.

- É lógico, meu filho. Você acha que eu tenho tempo hábil pra ficar gastando com você? Se eu estivesse fazendo sozinha, eu teria terminado essa apresentação no primeiro final de semana.

- E do que adianta? Aí não ia ter um colega vindo aqui regularmente cuidar de você, te trazer comidinhas, fazer massagem nos seus ombros quando você tá tensa.. - Ele flertou.

Heloísa apontou o dedo para ele.

- Se você sair contando isso por aí e fizer parecer que eu fiquei com você, eu juro por Deus... - Disse em tom de ameaça.

- Ei ei ei, que isso? - Ele ria com as mãos para o alto. - Eu sou um cavalheiro. Vamos supor que a gente realmente ficasse.. - Ele sorriu com a ideia, imaginando. - Eu jamais contaria. Pra ninguém! - Balançou a cabeça negativamente.

- Ah, deve ser por esse sigilo todo da sua parte que eu sei uma lista em ordem alfabética e outra em ordem cronológica de com quem você já ficou no campus. - Ela comentou, tomando um gole do vinho que ele havia trazido.

- Você sabe? - Ele se engasgou, chocado. - Claro que não sabe. Ta jogando verde. - Ele concluiu.

- Amanda, Ananda, Aria, Beatriz.. - Ela começou a contar nos dedos, em ordem alfabética.

Stenio arregalou os olhos ao ouvir os nomes certos. Interrompeu quando ela chegou no décimo.

- Ok, mas eu juro que não falo sobre. Elas que saem contando por aí..

- E você gosta disso! - Heloísa gargalhou. - Bom, sinto muito, não vou ser seu prêmio. Nem a número.. Qual? 927 na sua lista.

- Você realmente acha que eu quero ficar com você pra ser meu prêmio?

- Eu nem acho que você realmente queira ficar comigo, pra início de conversa. Só acho que eu te ignoro e isso te faz ficar curioso.

- Eu realmente quero ficar com você, e não tem nada a ver com nenhuma das coisas que você disse. - Ele ficou encarando a mulher.

Heloísa sentiu seu rosto queimar ouvindo aquelas palavras.

- Come sua comida e fica quieto, Stenio. - A voz dela falhou. - Bora. Você tá aqui pra trabalhar, não pra ficar falando besteira.

Stenio balançou a cabeça negativamente, e se ocupou de comer e puxar outro assunto da faculdade para que o clima tenso se aliviasse.

Depois disso, sentaram com todas as anotações no tapete felpudo de centro da sala, ainda com suas taças de vinho, e a garrafa.

Heloísa não parava de fazer anotações e checar um milhão de livros, enquanto Stenio mais enrolava do que qualquer outra coisa. Ele abriu os primeiros botões da camisa e arregaçou as mangas, ficando mais relaxado. A camisa também estava por fora da calça.

Ela tinha dificuldade para focar nas coisas a sua frente e não no homem a sua frente. Ele era realmente muito bonito. Stenio se ocupou de encher a taça dela. Olhou no relógio e viu que estava anoitecendo.

- Tá bom por hoje, né? Estamos quase lá. Amanhã eu volto pra cá.. E a gente continua.

- Ah. - Heloísa olhou o horário também. - Você precisa ir? Desculpa, eu nem me toquei.

- Não. Só quero passar um tempo com você, mesmo. - Ele se arrastou pelo tapete ficando perto do corpo dela.

Heloísa ficou olhando para ele, nervosa. Engoliu a seco.

- Não tem nada de tempo nenhum pra passar com ninguém aqui, não. - Ela pressionou a pontinha do nariz dele com o indicador. - Pode pegar suas coisas e ir embora, doutor Stenio. - Sorriu com ironia.

Terminou de organizar a papelada e fez menção de se levantar, mas logo sentiu a mão dele em seu punho.

- Um beijo. - Ele pediu. - Só isso. E eu prometo por tudo que é mais sagrado que se você não gostar, eu te deixo em paz. - Ele negociou.

Heloísa desviou o olhar entre os olhos dele e a boca dele mais vezes do que gostaria de admitir.

- Você não vai me dar paz enquanto você não conseguir o que quer, não é? Que inferno, já falei que não! - Ela resmungou. - Eu não quero você.

Stenio notou que a voz dela havia se quebrado. Não estava com aquele tom ríspido de sempre. Mais um pouco, e ele a convenceria.

Colocou a mão no pescoço dela, puxando para mais perto.

- Eu juro que se for ruim, te deixo em paz. Se eu estou insistindo é porque sei que vai ser muito bom. - Ele prometeu.

- Promete? - Ela semicerrou os olhos. - Um beijo, e é só isso. Só pra ver se você insiste tanto atoa. E principalmente, porque é meu sonho você me deixar em paz. - Ela começou a concordar.

Stenio não conseguiu evitar o sorriso que surgiu em seus lábios. Ele assentiu, se aproximando cada vez mais. Ela sentiu o encostar de seus narizes, enquanto ele ensaiava para capturar seus lábios, roçando um no outro. Sentiu borboletas no estômago que jamais admitiria estar sentindo.

Ela inclinou a cabeça na direção dele, finalmente capturando seus lábios e dando início ao beijo. Stenio sorriu no meio ao perceber a química ainda maior do que ele imaginava que seria.