2001
- Heloísa, é o aniversário dela. - Ele explicava pacientemente, apesar de estar gesticulando mais do que o normal.
- Sim. E você, lá atrás, me disse que ia entender que o meu trabalho também é importante.
- Sim. E eu entendo. - Disse ele, inconformado. - Quantas vezes eu já não provei isso pra você? Eu nunca reclamo. Você sabe disso, eu sou um cara muito compreensivo e da paz. Eu faço tudo que está ao meu alcance por você, e até o que não está também, pra te ajudar. Porque eu sei que meu escritório permite flexibilidades que seu trabalho não permite!
- E por que você tá surtando agora? Que saco.
- Porque é a porra do aniversário da sua filha, Heloísa! - Ele levantou o tom de voz. - Você não pode participar do nosso aniversário? Tudo bem. Meu aniversário? Tudo bem. Mas agora já tá ficando demais! É a sua filha.
- E eu já te falei que ela nem sequer vai se lembrar disso, Stenio. Pelo amor de Deus.
- Ah, tá. Então ela não vai ver as fotos da noite, ver os avós, o pai.. E perceber que a própria mãe não estava? Sem contar que com certeza vai ficar perguntando de você a noite inteira.
- Isso não pode ser sério. Você não pode realmente estar preocupado com ela vendo uma foto, no futuro, antecipando que ela vai ficar chateada. Se fosse o aniversário de 15 anos.. 28... Tudo bem. Mas ela é pequena demais! Pelo amor.
- Heloísa, é claro que ela vai ficar chateada. Todo mundo ficaria. Agora os únicos aniversários que importam são de 15? 18? Todo ano é especial, a celebração da vida dela. Eu não devia ter que te explicar o óbvio.
- Eu não ficaria! - Rebateu ela. - São ossos do ofício, Stenio. Você sabe disso melhor do que ninguém. Eu to indo trabalhar, não to deixando de participar porque eu quero.
- E custa, por algum acaso, trocar de turno com alguém? Falar que não pode mesmo? Sabe, não é porque você não tem empatia com ninguém que as pessoas não ligam pras coisas no mesmo nível que você.
- Como você é injusto. Você sabe que eu me importo. - Ela apontou o dedo na cara dele.
- Sim, eu imagino. Consigo ver claramente você se afastando cada vez mais da gente em prol da delegacia, você vive de trabalho, Heloísa, isso não é normal.
- Muito engraçado você querer jogar isso na minha cara agora. Você sabia que eu era assim. Você se casou comigo sabendo.
- Pois é, pelo visto, eu cometi um erro. Porque se você não enxerga que sua filha vai ficar chateada com isso.. Eu não sei o que mais você é capaz de ignorar.
- Por que você não para de mascarar os seus sentimentos usando o nome da minha filha? - Ela cruzou os braços. - É você quem está ressentido comigo. Fala logo, pô.
- Sim, eu estou. Eu tenho estado, há bastante tempo, mas eu não digo nada porque eu sei. Eu sei de tudo isso. Eu prezo sua felicidade, seu bem estar, e eu sei que você só encontra isso no seu trabalho. Mas puta que pariu! Não me peça pra ignorar as necessidades da nossa filha - Frisou ele. - Porque eu não vou conseguir. Ela tem que ser prioridade. Pra mim e pra você.
- Você tá chateado por que? Porque eu tenho chego tarde em casa? - Ela começou a considerar os motivos. - Ciúmes do Barros? Qual foi?
Stenio revirou os olhos.
- Bom, deixa eu ver. Tudo isso. Talvez sejam os horários exorbitantes, os dias de folga que você não tira, as datas comemorativas que você perde porque estava trabalhando, o fato de que você mal passa tempo com a gente porque tá com a cabeça em outro lugar, o fato de você falar mais com seus colegas de trabalho do que comigo, ou talvez porque me parece que nosso casamento simplesmente foi pelos ares de repente. Você nem parece minha mulher mais. Você só entra em casa, deita e dorme, eu nem te vejo de manhã. Nossa vida aqui é, a maior parte do tempo, eu e Drica. Nem de final de semana você fica desligada mais.
Ele aproveitou o momento para despejar tudo que sentia.
- Então, afinal, isso é sobre você. - Ela concluiu, satisfeita, de braços cruzados.
- Cara. Você é impossível! - Ele pressionou os olhos com força, sem acreditar. - Como pode alguém ser tão teimosa? Você não tá tentando resolver, você só quer estar certa. Eu já disse, engulo muita coisa pra gente sobreviver, mas não vou fazer isso quando o assunto é a Drica.
- Eu to falando que você tá descontando suas frustrações nisso, sem motivo.
- Quer saber? Faz o que você quiser, Heloísa. Eu sinceramente cansei. Quer se enfiar em trabalho? Fique a vontade. Eu não sou responsável pelo que você faz com a sua vida de qualquer forma.
Ele saiu do cômodo batendo a porta.
Pegou o carro e foi para o escritório. Entrou em sua sala, e ficou andando de um lado para o outro, tentando se acalmar.
Não conseguia acreditar que eles viviam brigando todos os dias pelos motivos mais idiotas. Nem se lembrava qual era a última vez que eles haviam estado em paz e harmonia. Provavelmente há muitos dias, em algum dos dias que ele convenceu Heloísa a ver um filme abraçados no sofá da sala enquanto Drica brincava no tapete da sala.Raquel entrou na sala, e o viu transtornado.
- Você tá bem?
Stenio a olhou e tentou voltar o raciocínio. Tentou fingir que nada havia acontecido.
- Não, tudo certo. Posso te ajudar com alguma coisa? Eu.. - Stenio suspirou e riu baixo porque não conseguia atuar e fingir que nada havia conhecido. Apoiou as mãos na cintura e suspirou, encarando o chão.
- Foi mal.- Eu passei pra tirar umas dúvidas mas.. Olha, posso te ajudar. - A mulher foi logo se sentando e puxando ele pela mão para se sentar ao lado dela no sofá do escritório. - Você não parece nada bem.
- É, eu realmente não estou. - Ele respirou fundo.
- Me conta.
Stenio considerou por um segundo se precisava ou não falar sobre. Não aguentava mais guardar tudo em seu peito.
- Não sei, sinto a Helô cada vez mais longe de mim, de casa.. E a gente briga o tempo inteiro..
- Ah, eu não acredito nisso. Coitadinho. - Raquel acariciou a mão dele. - Um homem como você? Tão carinhoso, prestativo, educado, gato.. Por que a gente não sai pra tomar um drink hoje? - Ela sugeriu. - Vamos, você precisa relaxar e eu preciso de uma taça de vinho.
...
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memories
Romancepré-endless: flashbacks da vida dos dois desde que se conheceram - leia depois de ler endless