Capítulo 23 - O Órfão

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Willian

A multidão no grande mercado de Grenze, cidade farasena quase na fronteira com Valuria, andava de um lado para o outro da estrada enlameada pela chuva da noite passada comprando todos os tipos de bens que as caravanas traziam e vendendo as especialidades locais, principalmente os valiosos vinhos e destilados da Vinícola do Moinho, mas em meio a toda essa agitação, o jovem de curtos cabelos negros e pele clara, mas queimada pelo sol, tinha seus olhos castanhos, escuros mesmo sob a luz do fim da manhã, fixados no palco instalado na praça, onde a mesma peça acontecia duas vezes por semana desde que consegue se lembrar, O Cavaleiro das Oliveiras.

Alguns dos atores mais antigos haviam deixado de se apresentar e agora uma nova geração sem muito talento se mesclava no elenco, que contava a história do jovem órfão que trabalhava colhendo azeitonas para sustentar seus irmãos pequenos que viviam sob sua proteção em um reino onde um lorde tirano cobrava impostos abusivos, mesmo dos mais pobres, principalmente dos mais pobres, até que um dia o jovem inicia um movimento, é traído, se junta com os aliados mais improváveis e através de auto sacrificio, liberta as pessoas das garras do maligno lorde, uma história simples, mas que sempre trazia um sorriso e esperança para o jovem Willian.

A peça estava no final do segundo ato e mesmo sem conseguir ouvir direito as falas por conta do burburinho do mercado, o jovem rapaz de roupas simples, carregando um tabuleiro de madeira cheio de pacotinhos de biscoitos artesanais, conseguia reproduzir todas elas, movendo os lábios sem emitir som algum, em uma apresentação silenciosa apenas para sua alma, até que um pacote de biscoitos, similar aos que carrega em seu tabuleiro, se choca contra seu ombro, passando por cima dele e caindo em seu tabuleiro.

Ao se virar, repara na jovem loira segurando um tabuleiro similar ao seu, mas praticamente vazio, o julgando com os olhos, fazendo com que suspirasse e andasse em sua direção.

— Will, vai ficar assistindo essa peça de novo? Eu queria terminar antes do meio-dia, minhas costas estão me matando — a adolecente mexe os ombros onde as alças do tabuleiro se apoiavam. — Eu já vendi quase todos e você, parece que — conta por cima — vendeu três...

— Quatro, esse aqui é o que você jogou em mim — devolve para a garota. — Aliás, você vendeu mesmo ou estava praticando sua mira?

— Ha, ha — ri irônica. — Um dia, quando precisarmos caçar na mata, vai agradecer toda minha prática com o arco.

— Aquilo não é um arco, é um galho que você amarrou uma corda — diz em um ar debochado.

— Você acabou de descrever um arco, agora aproveita que as pessoas estão saindo para comer algo e venda esses biscoitos — empurra o rapaz em direção oposta ao teatro.

— Estou indo, vai ver como vendo isso rapidinho — avança pela rua e, alguns metros depois, olha para trás, vendo a garota fazer outra venda. — Ei, Rina! — a loira se vira para ele com sobrancelhas arqueadas. — Aquilo não é um arco — sorri e ela bota a língua, sorrindo em seguida.

Poucas eram as pessoas que paravam para ouvir o garoto e menos ainda as que tinham algum interesse em seus biscoitos disformes, mas, determinado em vender tudo, continua até o fim do horário de almoço, quando os trabalhadores voltavam para suas ocupações e as ruas ficavam menos abarrotadas.

Rina o esperava na esquina para o orfanato com o tabuleiro vazio, encostada em uma parede e abana quando o vê, mas logo nota os vários pacotes com o amigo e suspira.

Ao parar ao lado da garota, não houve tempo para nenhuma palavra quando um dos atores mais velhos grita por Willian do palco e a dupla se aproxima do local quase vazio com o fim da peça.

Crônicas de Albaran: O Vigia da MontanhaOnde histórias criam vida. Descubra agora