Capítulo 29 - O que me tornei

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Oliver

As semanas haviam sido chuvosas e cada vez mais escuras conforme o pequeno grupo de recrutas era guiado para o fronte oeste, mas não importava a quantidade d'água que fosse despejada sobre Willian, o sangue e lama ainda estavam incrustados em sua alma.

O dinheiro que Oden deixou com o recrutador foi usado para comprar roupas, uma armadura de couro reforçado e uma espada usada, mesmo que o homem da forja tivesse sugerido uma lança para o jovem e então, finalmente, após atravessar aquela terra desolada, Will estava de volta em casa, na pequena vila onde havia nascido e visto seus pais morrerem durante o ataque dos minotauros, com apenas o prendedor de cabelo de Suyane, que agora servia de broche segurando seu manto, como lembrança de Grenze.

A vida como recruta no fronte não era nada mais fácil do que a de um Legionário, muitas vezes pior e, por mais que o fronte sul fosse o mais famoso por sua guerra direta com os feéricos e o leste contra os orcs invasores, Will conhecia bem o terror dos minotauros, e a cada dia conhecia o dos homens enviados para cá.

Ao contrário das outras batalhas, que pareciam gloriosas e justas, o fronte oeste não recebia voluntários tão frequentemente, o que resultava em um grande número de criminosos sentenciados e foragidos, assim como ele, que precisava dormir com um olho aberto, pois desde cedo o Comandante deixou claro que aqui era cada homem por si e apenas os mais fortes sobreviveriam. Porém ele não era forte como os homens daqui, ao contrário, era jovem, ingênuo, bonito e bem vestido.

Uma por uma essas coisas lhe foram arrancadas, e mesmo que Willian não tivesse suportado toda humilhação e dor que passou aqui, sua morte foi o nascimento de Oliver, um nascimento regado a mais sangue, de todos que abusaram dele ou que, mesmo com posição de poder, omitiram ajuda.

Normalmente assassinar diversos companheiros e seu Comandante lhe renderia a pena de morte, mas o novo líder do fronte oeste lhe concedeu o posto de Capitão e, com essa nova posição, a oportunidade de se aproximar de Cordélia para auxiliar no plano de Oden, para finalmente pagar o débito para com seu cunhado e estar mais perto de voltar para Signy.

Agora, depois de tudo que havia feito e de reencontrar Oden, sentia que tudo o que passou era uma mentira, uma história terrível e que o homem que havia se tornado, por fora, mas principalmente por dentro, não era mais digno de ser amado.

"Suyane, as crianças do Hemels, eles não deveriam estar aqui!" — pensa enquanto se afasta da tenda de comando que antes lhe pertencia, mas agora estava ocupada por Oden. — Eu deveria ter perguntado por..."

— Oliver — a voz inconfundível, mesmo depois de tanto tempo, de Suyane lhe chama com o mesmo tom tímido e gentil que o disse para segurar o braço de Signy pela primeira vez. — Você não é o monstro que diz ser, eu sei.

Ao se virar para a garota, que usava o mesmo estilo de vestido branco coberto por um capelet verde, cabelo trançado e os óculos redondos que lhe deixavam com um ar ainda mais fofo, da noite em que matou Ligia e os garotos, congela, apesar de tudo que havia passado, nada se comparava com a sensação de ter matado a doce dama de companhia de Corina.

— Se não sou, me diga — se aproxima de Suy com passos fortes e rápidos, mas ela continua a avançar em sua direção sem hesitar. — Qual a última coisa que se lembra de mim?

— De você me protegendo, não deixando eu vir junto para o fronte — responde sem pensar, surpreendendo-o. — Esse é o "você" que eu me lembro — finalmente o alcança, suspirando ao estar no alcance de suas mãos, que se mantêm contidas.

— Por que está vestida assim? — soa irritado e a garota se olha, receosa. — Quer me lembrar daquela noite?

— A intenção não era...

Crônicas de Albaran: O Vigia da MontanhaOnde histórias criam vida. Descubra agora