Cortam-se os lábios

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Bom dia, família, somos quase 5k. Os comentários lindos me fizeram vir rápido. Espero que gostem!!

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CAPÍTULO 14

Cortam-se os lábios


O pôr-do-sol tingia o céu com manchas laranjas e lilases naquele fim de tarde. Poucas estrelas apareciam por entre a mistura de cores; não havia nuvens, mas ventava muito. O vendaval agitava a fumaça dos braseiros que queimavam a pedra de mirra; o cheiro se misturava ao salgado das marés e das ondas que quebravam nas pedras, lá embaixo. O silêncio era apenas cortado pelo som do mar, que estava agitado - assim como eu também estava. Meu coração dava solavancos dentro do peito como se eu já não tivesse vivenciado aquela cena mil vezes dentro de minha cabeça; agora, a cena era real, e a realidade era mais densa que a imaginação.

Rhaenyra estava à minha frente. Vestida com uma túnica como a minha, os cabelos esvoaçando ao vento como os meus, ela mantinha os olhos marejados fixos em mim. Sobre sua cabeça, uma coroa com pedras cravejadas seguravam a trança: rubis e obsidianas formavam constelações que cintilavam sob o céu do fim da tarde.

Com os jardins arruinados, nós fazíamos a cerimônia em frente ao mar. Além de nós, poucas pessoas: um Meistre Valiriano - Meistre Aeren -, com o qual Rhaenys nos havia presenteado; o Septão Eustace, servidor da Coroa; e as três crianças de Viserys, que nos observavam com deslumbramento, como se fôssemos deuses. Mas não éramos. Após sete meses governando, eu agora tinha isso claro dentro de mim.

O alto valiriano juntou-se ao som das marés quando o Meistre disse:

Cortam-se os lábios.

Concentrei-me para manter minha mão firme sobre a adaga de vidro de dragão. Levei-a aos lábios de Rhaenyra, onde abri uma pequena fenda; o sangue escorreu e pingou sobre a túnica. Umedeci o dedo naquele filete e marquei com ele a sua testa. Em seguida, foi a vez dela: cuidadosamente, abriu a mesma fenda nos meus lábios, untou o dedo com sangue, marcou com ele a minha fronte.

Cortam-se as palmas.

Durante algum tempo, eu sonhei com aquela cena. Rhaenyra ainda era pequena quando eu imaginei pela primeira vez o nosso casamento. Talvez fosse a forma como ela me olhava quando eu voltava das expedições; ou o contrário, a maneira como evitava meus olhares durante os jantares na Corte. Mas nenhuma das vezes em que sonhara com aquilo eu tinha chegado longe o suficiente para criar na mente a ardência dos cortes. Era aquele pequeno latejar de dor que me mostrava: ao contrário de todas as minhas vivências passadas naquela cena, dessa vez era real.

Cortei com a adaga a palma de minha mão, e então passei a arma a ela; Rhaenyra abriu o mesmo corte em sua palma. Mesmo que a lâmina fosse limpa e fina, com tantos cortes sucessivos, o chão de pedra ao nosso redor já estava tingido com pequenos círculos de sangue.

Juntam-se as palmas, e que o sangue escorra para o cálice.

Juntamos as palmas cortadas. Essa não era a primeira vez que eu juntava meu sangue ao dela; já havia existido uma outra vez, quando fizemos juramentos um ao outro. Porém, daquela vez, havia uma diferença; mesmo com o vendaval ao redor, nossas mãos estavam tão quentes, que as palmas pareciam ser capazes de derreter. Havia algo naquela cerimônia; pequenos pontos de dor que consumavam algo maior.

O sangue escorreu pelas mãos, os antebraços e as vestes; pingou diretamente sobre o cálice que o Meistre segurava sob nós. Quando o líquido se tornou suficiente, nós o bebemos; primeiro Rhaenyra, e então, eu. O sabor ferroso tomou minha boca.

Trono de Espinhos - Daemyra (CONCLUÍDA)Onde histórias criam vida. Descubra agora