Como a minha sorte hoje tá uma maravilha, vejo o ônibus pouco a pouco parar no meio da rua e um enorme fedor de borracha queimada tomar conta dele, fazendo com que eu me dê conta do que está rolando. A merda do ônibus quebrou!
Depois de descer em uma avenida movimentada, entro em um boteco e enquanto peço um Uber, compro uma coxinha e uma coquinha gelada, que servem pra afogar minhas mágoas.
Demora cerca de vinte minutos para o mesmo chegar, minutos esses que passei fazendo amizade com a dona ali do bar e receber ótimos conselhos depois de eu ter contado sobre meus chifres.
-Não fica assim, isso foi um sinal pra você.-Diz me lançando um sorriso triste.-E quem saiu perdendo foi ele, duvido muito que aquela outra era mais bonita do que você.-Diz me fazendo sorrir.-Agora vai lá e toma cuidado, vê se toma um banho e descansa.-Diz me fazendo acenar com a cabeça. Me despeço da mulher que eu acabei de conhecer com um forte abraço antes de entrar no Uber e seguir pra minha casa.
Quando chego na mesma já é perto das seis, enxugo as lágrimas que insistem em cair de meus olhos antes de me despedir do motorista e ponho um sorriso no rosto enquanto entro dentro do imenso condomínio, seguro contra mim minhas sacolas com minhas coisinhas.
Cumprimento o porteiro dali que abre o enorme portão pra mim e sigo até meu condomínio. São tantos e tantos prédios aqui que no começo eu ficava completamente perdida, não foi tão fácil quanto eu imaginava me adaptar a morar em um apartamento com esse padrão de vida, ainda mais porque cresci na comunidade que apesar de seus altos e baixos é extremamente unida e calorosa. Claro que nunca romantizaria a pobreza extrema que muitas pessoas na comunidade passam, muito menos as más condições de moradia e o intenso perigo da região, eu não sou e nunca poderia ser hipócrita em dizer que em questões de moradia e qualidade de vida, o lugar que tanto amo é melhor, pois seria uma completa mentira.
Ainda me lembro sobre como era imensamente difícil pra minha mãe ter que acordar quatro horas da manhã, enfrentar diversos ônibus para chegar em um trabalho onde ela era humilhada e explorada, tudo isso para receber um salário tão baixo que mal pagava as contas de casa. Meu pai era um completo vagabundo que mais atrapalhou do que ajudou minha mãe e que a abandonou quando estava grávida do meu irmãozinho caçula. E foi graças ao pessoal da comunidade, com doações de roupa e comida que minha mãe pôde cuidar do meu irmãozinho. Porém, a situação piorou ainda mais quando eu já era adolescente e ela perdeu seu emprego, eu somente estudava porque tinha que cuidar dos meus irmãos e na época quis parar de estudar pra poder procurar algum emprego, porém recebi um forte puxão de orelha e uma promessa de que se eu fizesse isso eu levaria umas palmadas na bunda. Ela sempre priorizou meus estudos e os dos meus irmãos ja que ela nunca pôde concluir os seus.
Respiro fundo quando chego no meu prédio, somente ignorando as dondocas que mesmo depois de tanto tempo, ainda insistem em me olhar com esse olhar de julgamento e reprovação. Eu não sou boba e muito menos ingênua, eu sei que me olham assim por conta da minha cor de pele escura, do meu cabelo que apesar de lindo e grande, ainda assim é muito encaracolado, e claro, o meu modo de me vestir. Eu tenho roupas muito bonitas sim eu sei, mas eu tenho lugares pra usar elas, e em um calorão dos infernos que é nessa cidade eu prefiro muito mais usar meu chinelo de dedo, meu short e minha blusinha folgada do que várias roupas elegantes e que me matariam de calor.
É possível ouvir as frases discriminatórias que as mesmas falam, mesmo eu já estando em uma distância considerável a caminho do elevador. O padrão de vida aqui pode até ser melhor, mas em relação as pessoas, aqui com certeza não é nada bom. Eu poderia rebater o que elas dizem, eu poderia fazer um imenso barraco, mas eu apenas estaria dando o que elas querem que é mostrar pra todo mundo que eu sou apenas uma barraqueira favelada sem educação, e uma coisa que com certeza minha mãe sempre nos deu foi educação. Ai de mim se eu destratasse alguém perto da minha mãe.
Coloco no último andar e enquanto não chega, me permito relaxar um pouco e abaixar as armaduras. Seguro fortemente minhas sacolas enquanto penso no quão magoada estou. É triste ser traída por alguém que se conhece e convive a tantos e tantos anos, antes de meu namorado ele era meu amigo, meu parceiro de pagodes, dos bailes funks e das tantas e tantas festas. Ele que me ensinou a soltar pipa e me ajudou a aprender a jogar bola, vivíamos um na casa do outro pra brincar ou pra dar umas saídas pras praias.
Quando as portas se abrem, vou até o meu apartamento e coloco a senha no mesmo, logo entrando e me deparando com o meu irmão mais novo no videogame.
-Oi maninha.-Diz o Enzo com os olhos vidrados na televisão.
-Oi pequeno. Onde está o Lorenzo?-Pergunto indo em direção a lavanderia.
-Ele foi na quadra de basquete com os amigos dele, deve tá lá até agora.-Diz alto o suficiente para que eu escute.
-E em um dia lindo desses por que você não foi junto com ele?-Pergunto enxugando minhas lágrimas enquanto ponho todas as roupas na máquina de lavar.
-E você acha mesmo que eu vou sair em um sol desses pra jogar, sendo que posso ficar na minha confortável casa com o maravilhoso ar condicionado e o videogame todo só pra mim?-Pergunta me fazendo rir. Ele tem um ponto. Vou na cozinha e pego a garrafa pet com água dentro, encho um copo e logo depois de enchê-la, a ponho de volta na geladeira.
-Não posso te culpar.-Digo bebendo minha água. Pego meu telefone e vejo as diversas chamadas perdidas do vagabundo, o que faz com que meus olhos novamente lacrimejem e eu tenha mais vontade ainda de chorar.
-Que foi Brenda? Seus olhos tão vermelhos, você andou chorando?-Pergunta meu irmãozinho em um tom suave.
-Terminei com o Caio.-Digo enxugando mais uma lágrima.-Ele estava me traindo.-Digo caindo no choro.
Rapidamente sinto os pequenos braços dele em meu pescoço e o cheirinho do seu perfume do Hotwheels.
-Não fica assim irmã, uma vaca sem chifres é uma vaca indefesa.-Diz me fazendo rir em meio as lágrimas. O abraço de volta enquanto fungo.-Ele não te merecia, pensa pelo lado bom, agora você pode encontrar um homem rico pra poder casar, linda desse jeito os gringos vão pirar.
-Só você mesmo Enzo.-Digo rindo antes de acariciar suas tranças. Ele me dá um doce sorriso enquanto me encara com seus olhos verdes, assim como o meu outro irmão que já está ficando um adolescente muito bonito, Enzo não vai ser nada diferente. Nós três não somos irmãos muito parecidos, o tom de pele em mim é bem mais escuro do que nos meus outros dois irmãos, Enzo nasceu com os cabelos tão encaracolados quanto os meus, que foram herdados do traste do meu pai, porém Lorenzo já nasceu com os cabelos lisos, herdados da nossa mãe. Os meninos nasceram pardos enquanto eu nasci negra, a única coisa que temos semelhante é a tonalidade dos nossos olhos, ambos esverdeados. Enquanto os meus se assemelham a um verde mais clarinho, o dos meninos é próximo ao avelã. Podem nos chamar de pobres e tudo que é coisa, mas de feios nunca.
-Eu vou chamar o Lorenzo e peço pra ele trazer alguma coisa pra comermos.-Diz me fazendo acenar com a cabeça, mesmo tendo somente dez anos ele já é um menino muito esperto e meu orgulho. É muito gratificante ver os dois homenzinhos mais importantes da minha vida crescendo, e mais ainda em ver que são unidos junto comigo. Vejo ele pegar seu telefone e discar o número todo concentrado.-Lorenzo, a Brenda chegou. Passa nesse lugar que vendem comida e traz refri e salgado pra gente, aproveita e traz uma lixa pra aparar os chifres que nossa maninha acabou de receber se não ela vai furar o teto.-Diz me fazendo estreitar os olhos enquanto o mesmo me lança um sorriso antes de piscar seu olhinho. Posso estar na merda por ter perdido um grande amor, mas pelo menos tenho meus dois tesouros que vão rir da minha cara se eu cair, mas depois vão me ajudar a me levantar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A babá
RomanceAdan Moore é um homem conhecido por sua fama de um homem extremamente frio e arrogante, uma pessoa de pouquíssimos amigos e claro, um pai exemplar. Ele não mede esforços para fazer de tudo pela sua pequena Jennie a fim de compensar o tempo em que nã...