— Já decidiu o que vai fazer no aniversário da Emerson? — pergunta Allysa.
Ela e Marshall fizeram uma festa tão grande no primeiro aniversário da filha deles, Rylee, que parecia mais um baile de quinze anos.
— Acho que vou só comprar um bolinho para fazer uma espécie de smash the cake e dar alguns presentes. Não tenho espaço para nada maior do que isso.
— A gente pode fazer alguma coisa lá em casa — sugere Allysa.
— Quem eu convidaria? Ela vai fazer um ano, não tem amigos. Nem sabe falar ainda.
Allysa revira os olhos.
— Nós não fazemos festas infantis por causa dos bebês, e sim para impressionar os amigos.
— Você é minha única amiga, e não preciso te impressionar. — Entrego para Allysa um pedido tirado da impressora. — Vamos jantar hoje?
Nós jantamos juntas pelo menos duas vezes na semana na casa dela. Ryle passa lá de vez em quando, mas planejo propositalmente as visitas para as noites em que ele está de plantão. Não sei se Allysa já percebeu. Se tiver percebido, ela provavelmente me entende. Ela diz que é difícil ver Ryle perto de mim porque também suspeita de que ele ainda tem esperanças de reatar comigo. Allysa prefere ficar com ele quando não estou presente.
— Os pais de Marshall chegam na cidade hoje, lembra?
— Ah, é. Boa sorte.
Allysa gosta dos pais do Marshall, mas acho que ninguém fica
muito animado em ter os sogros em casa por uma semana.
O sino da porta toca, e Allysa e eu olhamos para cima ao mesmo tempo. Porém duvido que o mundo dela tenha começado a girar
como o meu.Atlas está vindo na nossa direção.
— Aquele é o...
— Meu Deus — sussurro baixinho.
— Sim, ele é mesmo um deus — cochicha Allysa. O que ele está fazendo aqui?
E por que ele se parece mesmo com um deus? Assim fica bem mais difícil pensar na decisão que tenho que tomar. Não consigo nem encontrar as palavras para cumprimentá-lo. Apenas sorrio e o espero chegar até a gente, mas o trajeto da porta até o balcão parece estar um quilômetro mais longo.
Ele não tira os olhos de mim enquanto anda. Quando se aproxima, ele finalmente cumprimenta Allysa com um sorriso. Depois olha de volta para mim enquanto põe um pote de plástico tampado no balcão.
— Trouxe seu almoço — diz ele casualmente, como se trouxesse meu almoço todos os dias e eu devesse estar esperando por isso.
Ah, essa voz. Esqueci o quanto ela me afeta.
Pego o pote, mas não sei o que dizer com Allysa parada do meu lado, observando nossa interação. Encaro-a e lhe dou aquele olhar. Ela finge não perceber, mas, como não paro de encará-la, ela acaba cedendo.
— Tudo bem. Vou colocar flores nas... flores.
Ela se afasta para nos dar privacidade.
Volto minha atenção para o almoço que Atlas trouxe.
— Obrigada. O que tem aqui?
— Nosso especial de fim de semana — diz Atlas. — É a massa
por que você tá me evitando.
Chego a rir com isso, mas estremeço logo em seguida.
— Não estou te evitan... — Balanço a cabeça com um rápido
suspiro, sabendo que não posso mentir para ele. — Tudo bem, eu estou te evitando. — Apoio os cotovelos no balcão e cubro o rosto com as mãos. — Desculpa.
Atlas está quieto, então acabo olhando para ele. Ele parece sincero quando diz:
— Prefere que eu vá embora?
Nego com a cabeça, e assim que faço isso os cantos dos seus olhos se enrugam um pouco. Mal é um sorriso, mas sinto um calor descendo pelo meu peito.
Ontem de manhã, quando esbarrei com ele, eu falei demais. Agora estou muito confusa para falar. Não sei como posso ter uma conversa séria com ele sobre tudo o que passou pela minha cabeça nas últimas vinte e quatro horas quando perco a fala perto dele.
Ele me afetava da mesma maneira quando eu era mais nova, mas naquela época eu era mais ingênua. Não sabia que homens como Atlas são tão raros, então não sabia a sorte que era tê-lo na minha vida.
Agora eu sei, e é por isso que morro de medo de estragar tudo. Ou de Ryle estragar tudo.
Ergo o pote de massa que ele trouxe.
— O cheiro está ótimo.
— E a comida está ótima. Eu que fiz.
Eu deveria rir disso, mas minha reação não combina com a
conversa. Coloco o pote no balcão. Quando o olho novamente, ele vê a minha expressão tensa e responde com um olhar tranquilizador. Não dizemos muito, mas os sinais não verbais que estamos trocando já dizem o bastante. Meus olhos pedem desculpa pelo meu silêncio; ele me diz silenciosamente que tudo bem, e nós dois estamos nos perguntando o que vai acontecer em seguida.
Atlas desliza a mão lentamente no balcão, aproximando-a da minha. Ergue o dedo indicador e o passa ao longo do meu mindinho. É um gesto tão pequeno e carinhoso, mas meu coração dá uma cambalhota.
Ele afasta a mão e cerra o punho como se tivesse sentido o mesmo que eu. Limpa a garganta.
— Posso te ligar hoje à noite?
Estou quase assentindo quando Allysa sai de repente pela porta lá de trás, de olhos arregalados. Ela se aproxima e cochicha:
— Ryle está quase chegando.
Parece que meu sangue congela nas veias.
— O quê?
Não digo isso para que ela repita. Digo porque estou chocada,
mas ela repete de todo modo.
— Ryle está chegando. Ele acabou de me mandar uma mensagem. — Ela acena a mão na direção de Atlas. — Você tem dez segundos para escondê-lo.
Tenho certeza de que Atlas consegue ver o pânico no meu rosto quando o olho, mas ele diz com bastante calma:
— Para onde devo ir?
Aponto para meu escritório e vou rapidamente com ele até lá. Depois que entramos, questiono minha decisão.
— Talvez ele entre aqui. — Cubro a boca com a mão, tremendo enquanto penso, e depois indico o armário de materiais. — Pode se esconder ali dentro?
Atlas olha para o armário e depois para mim. Aponta para a porta.
— Dentro do armário?
Ouço a campainha da porta da frente e sinto uma urgência ainda maior.
— Por favor?
Abro a porta do armário. Não é o lugar ideal para esconder um ser humano, mas é espaçoso. Ele vai caber com tranquilidade.
Nem consigo encará-lo quando ele passa por mim e entra no armário. Eu poderia morrer. Que vergonha! Enquanto fecho a porta, tudo que consigo fazer é sussurrar:
— Desculpa.
Faço o possível para me recompor. Allysa está conversando com Ryle quando saio do escritório. Ele me cumprimenta com a cabeça, mas está prestando atenção em Allysa. Ela está vasculhando a bolsa à procura de alguma coisa.
— Estava aqui antes — diz ela.
Ryle tamborila os dedos com impaciência.
— O que está procurando? — pergunto a ela.
— A chave. Trouxe-a sem querer, e Marshall precisa da
para ir buscar os pais no aeroporto.
Ryle parece irritado.
— Tem certeza de que não a deixou em outro canto quando falei
que eu vinha buscá-la?
Inclino a cabeça e me concentro em Allysa. — Você sabia que ele ia vir?
Como ela pôde se esquecer de me dizer que Ryle estava a caminho quando Atlas apareceu aqui?
Ela enrubesce um pouco.
— Fiquei distraída com... acontecimentos inesperados. — Ela ergue a mão, triunfante. — Achei! — Solta-a na palma de Ryle. — Beleza, tchau, pode ir embora.
Ryle se movimenta como se estivesse prestes a ir, mas depois se vira e cheira o ar.
— Que aroma bom é esse?
Os olhos dele e de Allysa se voltam para o pote ao mesmo tempo. Allysa o puxa para perto de si e o segura.
— Preparei um almoço para mim e para Lily.
Ryle ergue a sobrancelha.
— Você cozinhou? — Ele estende o braço para o pote. —
Preciso ver. O que tem aqui?
Allysa hesita antes de lhe entregar o pote.
— É frango... barabadoula.
Ela me encara, e seus olhos estão arregalados. Ela mente muito
mal.
— Frango o quê? — Ryle abre o pote e o inspeciona. — Parece
uma massa com camarão.
Allysa limpa a garganta.
— Pois é, eu cozinhei os camarões no... caldo de frango. É por
isso que o nome é frango barabadoula.
Ryle tampa de volta e me olha preocupado enquanto empurra o
pote para Allysa por cima do balcão.
— Eu pediria uma pizza se fosse você.
Dou uma risada forçada, Allysa também. A risada de nós duas
faz nossa reação parecer exagerada para uma piada que nem foi engraçada.
Ryle franze a testa, recuando alguns passos com um olhar de suspeita. Deve estar acostumado ao fato de nós duas termos piadas internas das quais ele não faz parte, pois nem pergunta nada. Ele se vira e sai da floricultura, com pressa de levar a chave para Marshall. Allysa e eu ficamos paradas como duas estátuas até termos certeza de que ele saiu e de que não pode mais nos escutar. Então olho para ela sem acreditar.
— Frango barba o quê? Acabou de inventar uma língua nova, foi?
— Eu tinha que dizer alguma coisa — responde ela, na defensiva. — Você ficou parada como uma árvore! De nada.
Espero alguns minutos para garantir que Ryle teve tempo de ir embora. Vou até a frente da floricultura para ver se o carro dele realmente não está mais lá. Então ando tristemente até meu escritório e me dirijo ao armário para avisar a Atlas que ele está a salvo. Expiro antes de abrir a porta.
Atlas está aguardando pacientemente, encostado numa estante de braços cruzados, como se ficar escondido num armário não o incomodasse nem um pouco.
— Me desculpe.
Não sei quantas vezes vou precisar me desculpar para compensar o que acabei de pedir que fizesse, mas estou disposta a dizer isso mais umas mil vezes.
— Ele já foi?
Faço que sim, mas, em vez de sair do armário, Atlas segura minha mão, me puxa para perto e fecha a porta.
Agora nós dois estamos no armário.
No armário escuro. Mas não tão escuro assim: consigo ver o brilho em seus olhos indicando que ele está se segurando para não sorrir. Talvez ele não me deteste tanto assim pelo que fiz.
Atlas solta minha mão, mas está tão apertado para nós dois aqui dentro que partes dele roçam em partes minhas. Sinto um frio na barriga, então pressiono as costas na estante atrás de mim, tentando não me apertar contra ele, mas parece que ele está me cobrindo como um cobertor macio. Ele está tão próximo que consigo sentir o cheiro do seu xampu. Com muita calma, tento respirar para diminuir o nervosismo.
— E então? Posso? — pergunta ele, a voz um sussurro.
Não faço ideia do que ele está me perguntando, mas quero responder veementemente que sim. Em vez de aceitar algo que nem sei o que é, conto na minha cabeça até três. Então digo:
— Pode o quê?
— Te ligar hoje à noite.
Ah. Ele voltou à conversa que estávamos tendo lá na frente, como se Ryle nem tivesse nos interrompido.
Mordo o lábio, querendo dizer sim, pois quero que Atlas me ligue. Mas também quero que Atlas saiba que escondê-lo de Ryle dentro de um armário provavelmente já reflete como será o restante das nossas interações, já que Ryle sempre estará por perto devido ao fato de termos uma filha.
— Atlas... — digo seu nome como se fosse falar algo terrível depois, mas ele me interrompe.
— Lily — responde ele sorrindo, como se nada que eu pudesse dizer depois do seu nome conseguisse ser terrível.
— Minha vida é complicada.
Não queria que isso parecesse um alerta, mas é o que acontece. — Quero te ajudar a descomplicá-la.
— Temo que sua presença vá complicá-la ainda mais.
Ele ergue a sobrancelha.
— Vai complicar a sua vida ou a de Ryle?
— Todas as complicações dele se tornam minhas. Ele é o pai da
minha filha.
Atlas abaixa a cabeça só um pouco.
— Exatamente. Ele é o pai dela. Não é seu marido, então você
não deveria deixar sua preocupação com os sentimentos dele convencê-la a desistir do que seria a segunda melhor coisa que já te aconteceu.
Ele diz isso com tanta convicção que parece que meu coração está despencando no meu peito. A segunda melhor coisa que já me aconteceu? Adoraria que essa confiança que ele tem em nós fosse contagiosa.
— E qual foi a melhor coisa que já me aconteceu?
Ele me olha com atenção.
— Emerson.
Ouvi-lo dizer isso quase me faz derreter. Eu me abraço e me
seguro para não sorrir.
— Você vai dificultar as coisas para mim, não é mesmo?
Atlas balança a cabeça devagar.
— A última coisa que eu quero é dificultar algo para você, Lily. —
Ele se afasta e a porta começa a se abrir, trazendo luz para dentro
do armário. Ele me encara com uma das mãos na porta e a outra na parede. — Qual é um horário bom para eu te ligar hoje de noite?
Ele parece tão à vontade com a conversa que quero puxá-lo de volta para dentro do armário e beijá-lo — assim talvez alguma parte de sua confiança e paciência passe para mim.
Minha boca parece algodão quando digo:
— Qualquer horário.
Seus olhos se cravam nos meus lábios por um instante, e todo o
meu corpo reage ao seu olhar. Mas então Atlas fecha a porta, deixando-me sozinha dentro do armário.
Eu mereci isso.
Uma mistura de vergonha, nervosismo e talvez até um pouco de desejo está inundando minhas bochechas. Continuo parada até ouvir o som baixo do sino da porta da floricultura, indicando que ela foi aberta.
Estou me abanando quando Allysa abre a porta do armário alguns instantes depois. Ponho as mãos nos quadris com rapidez para disfarçar o efeito que a presença de Atlas causa em mim.
Allysa cruza os braços na frente do peito. — Você o escondeu no armário?
Meus ombros se abaixam de vergonha. — Pois é.
— Lily. — Allysa parece decepcionada comigo, mas o que ela esperava que eu fizesse? Apresentasse um ao outro de novo? — Bem, foi bom você ter feito isso porque não sei o que teria acontecido, mas... você o escondeu no armário. Você simplesmente o guardou aqui dentro como um casaco velho.
Ela discutir o ocorrido não está me ajudando a me recuperar do momento. Vou para a frente da floricultura com Allysa logo atrás de mim.
— Não tive escolha. Atlas é a última pessoa do mundo que Ryle aprovaria como meu namorado.
— Sinto muito em lhe informar, mas Ryle só aprovaria uma pessoa como seu namorado, e essa pessoa é o próprio Ryle.
Não respondo porque morro de medo de que ela esteja certa. — Espera — diz Allysa. — Você e Atlas estão namorando? — Não.
— Mas você acabou de dizer que ele é a última pessoa que Ryle aprovaria como seu namorado.
— Falei isso porque, se Ryle o tivesse visto aqui, é o que ele teria presumido.
Allysa cruza os braços por cima do balcão e parece cabisbaixa.
— Estou me sentindo excluída demais nisso tudo. Tem muita coisa que você precisa me contar.
— Muita coisa? Como assim?
Tento parecer ocupada puxando um vaso para perto de mim e mudando algumas flores de lugar. Allysa tira o vaso das minhas mãos.
— Ele te trouxe almoço. Por que faria isso se vocês não estivessem se falando? E se vocês estão se falando, por que não me contou?
Pego o vaso de volta.
— A gente se esbarrou ontem. Não foi nada. Eu não falava com ele desde antes do nascimento da Emmy.
Allysa pega o vaso de novo.
— Eu vivo esbarrando em antigos amigos por aí e eles não me trazem almoço.
Ela me devolve o vaso. É como se quem o segurasse tivesse permissão para falar.
— Seus amigos não devem ser chefs de cozinha. É isso que chefs fazem, eles preparam almoço para os outros. — Ela está tão concentrada que é como se estivesse tentando ler minha mente para ignorar todas as mentiras que acha que estou contando. — Juro que não é nada. Ainda. Se algo mudar, você será a primeira a saber.
Ela parece se satisfazer momentaneamente com a resposta, mas noto alguma coisa em seu rosto antes de ela desviar o olhar. Não sei se é preocupação ou tristeza. Não pergunto, pois sei que isso é difícil para ela. Imagino que a ideia de qualquer homem que não seja Ryle me trazendo um almoço deva deixá-la um pouco triste.
No mundo ideal de Allysa, seu irmão jamais teria me agredido e eu ainda seria sua cunhada.