Você me decepciona, Lily.
Estou encarando o celular, chocada.
Isso é uma piada?
Você me trata como um monstro, sou o pai dela cacete.
São 5h. Acordei para ir ao banheiro e, naturalmente, dei uma olhada no celular antes de dormir mais uma horinha até o despertador tocar.
Todas as mensagens são de Ryle. Ele não dá notícias desde que apareceu aqui em casa no domingo. Já se passaram quatro dias, e ele nem se deu ao trabalho de entrar em contato para se desculpar por ter perdido a cabeça comigo. Ele passou quatro dias em silêncio, e agora vem com essa?
Eu era mais feliz antes de te conhecer.
Leio as inúmeras mensagens, sabendo muito bem que ele estava bêbado quando as enviou ontem à noite. A primeira chegou à meia-noite, e a última, escrita às 2h da manhã, diz:
Divirta-se trepando com o morador de rua.
Largo o celular na cama, as mãos trêmulas. Não acredito que ele me enviou essas mensagens. Achei que os quatro dias de silêncio significassem remorso, mas está na cara que ele anda remoendo a raiva.
Isso é bem pior do que eu imaginava.
Tento voltar a dormir, mas não consigo. Eu me levanto e preparo uma xícara de café, mas estou enjoada demais para tomá-lo. Passo a próxima meia hora parada na cozinha, olhando para o nada, pensando sem parar nas mensagens.
Quando Emerson finalmente acorda, fico aliviada. Vai ser ótimo me distrair com nossa rotina matinal agitada.
Depois que a deixo com minha mãe, chego ao trabalho às 8h em ponto. Sou a primeira na floricultura, então me ocupo o máximopossível até Serena e Lucy chegarem. Lucy percebe que há algo de errado comigo, e em dado momento até me pergunta como estou, mas respondo que está tudo bem.
Finjo que estou bem, mas olho para a porta da frente sempre que posso, achando que vou ver Ryle irromper por ela. Fico esperando outra de suas mensagens cruéis, fico esperando o telefone tocar.
Horas se passam e nada. Nem mesmo um pedido de desculpa.
Não conto para Atlas, não conto para Allysa, não conto para ninguém ao longo do dia sobre o que ele fez. É vergonhoso. As mensagens insultaram a Atlas e a mim. Não tenho ideia do que fazer, mas sei que não estou disposta a tolerar esse tipo de coisa. Eu me recuso a passar os próximos dezessete anos da vida da minha filha sofrendo qualquer abuso, mesmo que seja por mensagens de texto.
Serena já foi embora, e estou sozinha com Lucy quando o inevitável enfim acontece. Já passa das 17h, e estamos nos organizando para fechar a floricultura a fim de que eu possa buscar Emerson na casa da minha mãe quando Ryle entra pela porta da frente.
Minha ansiedade jorra dentro de mim como uma explosão de lava.
Lucy nunca foi muito fã de Ryle, então solta um gemido baixo quando o vê e diz:
— Se precisar de mim, vou estar lá atrás.
— Lucy, espere — sussurro. Olho para o celular como se estivesse ocupada com alguma coisa para que Ryle não veja meus lábios se mexendo. — Fique aqui.
Olho para ela, pois quero que perceba a preocupação em meus olhos. Ela apenas assente e vai fazer alguma coisa para fingir que está ocupada.
Meu coração está martelando no peito quando Ryle se aproxima. Nem tento disfarçar quando o encaro.
Ele sustenta meu olhar por alguns segundos e depois olha Lucy de esguelha. Aponta a cabeça para o meu escritório.
— Podemos conversar?
— Já estou de saída. — Minhas palavras saem com rapidez e firmeza. — Preciso ir buscar nossa filha.
Vejo a mão esquerda de Ryle agarrar a beirada do balcão. Ele a aperta, e os músculos do seu braço se contraem.
— Por favor. Não vou demorar.
Olho para Lucy.
— Você me espera para trancar?
Ela assente, me tranquilizando, então me viro e vou para o
escritório. Ouço-o logo atrás de mim. Cruzo os braços na frente do peito e inspiro antes de conseguir encará-lo.
Já estou de saco cheio do seu remorso. Quero arrancar essa expressão fechada da sua cara de tão furiosa que estou.
— Desculpe. — Ele passa a mão no cabelo e estremece, aproximando-se. — Bebi demais num evento ontem à noite e...
Não digo nada.
— Eu nem lembrava que tinha mandado aquelas mensagens, Lily.
Continuo em silêncio. Ele começa a se inquietar, constrangendo- se com minha raiva. Põe a mão nos bolsos e fita os próprios pés.
— Você contou para Allysa?
Não respondo à sua pergunta. Na verdade, ela só aumenta minha raiva. Ryle está mais preocupado com o que a irmã vai pensar dele do que com o mal que está me causando?
— Não, mas contei para uma advogada — minto, mas vai ser verdade assim que ele sair daqui.
A partir de agora, vou documentar tudo que ele fizer comigo. Atlas tem razão. Ryle parece perfeito por fora, e se ele vai continuar com suas táticas abusivas, preciso de proteção para mim e para Emerson.
Os olhos de Ryle se voltam lentamente para os meus. — Você fez o quê?
— Enviei as mensagens para a minha advogada.
— Por que você faria isso?
— É sério? Você me imprensou contra uma porta no domingo, e agora me manda mensagens ameaçadoras no meio da noite. Não fiz nada para merecer isso, Ryle!
Ele tira as mãos do bolso e aperta a nuca enquanto se vira para outra direção. Alonga as costas e inspira pela boca. Ryle parece prender o ar enquanto conta em silêncio, tentando amenizar a raiva que cresce dentro de si.
Nós dois sabemos o quanto essas técnicas deram certo no passado.
Quando ele se vira, não há mais remorso.
— Você não está enxergando um padrão? É mesmo tão burra assim?
É óbvio que eu enxergo um padrão, mas acho que estamos vendo dois padrões diferentes.
— Nós passamos um ano bem, Lily. Não tivemos nenhum problema até ele dar as caras de novo. Agora estamos brigando o tempo todo, e você ainda está trazendo advogados pra história, é?
Ele parece querer socar o ar.
— Pare de culpar os outros pelo seu comportamento, Ryle!
— Pare de ignorar a porra da causa de todos os nossos
problemas, Lily!
Lucy aparece na porta do escritório. Olha para mim e para Ryle,
depois para mim de novo.
— Você está bem?
Ryle solta uma risada exasperada.
— Ela está bem — responde ele, irritado. Ryle vai até a porta, e
Lucy precisa se encostar na guarnição para que ele não esbarre nela. — Uma advogada, caralho — murmura. — Posso muito bem imaginar de quem foi essa ideia.
Ryle está se dirigindo para a saída com determinação. Lucy e eu saímos do escritório provavelmente pelo mesmo motivo: trancar a porta assim que ele for embora.
Quando Ryle chega à porta da floricultura, se vira e me lança um olhar fulminante.
— Sou neurocirurgião. Já você trabalha com flores, Lily. Lembre- se disso antes que sua advogada faça alguma besteira que coloque minha carreira em risco. Eu pago o apartamento onde você mora, porra.
A ameaça de Ryle se intensifica quando suas mãos escancaram a porta com força.
Lucy é quem a tranca depois que ele finalmente sai, pois o impacto do último insulto me paralisou. Ela vem até mim e me abraça para me confortar.
É neste momento que percebo que a parte mais difícil de acabar com um relacionamento abusivo é que você não está necessariamente acabando com os momentos ruins. Os momentos ruins ainda dão as caras de vez em quando. Ao terminar um relacionamento abusivo, é com os momentos bons que você acaba.
No nosso casamento, aqueles poucos terríveis episódios estavam cobertos por muitos momentos bons, mas agora que nosso relacionamento terminou, o cobertor foi retirado e tudo o que me resta são as piores partes de Ryle. Nosso casamento já teve um coração e muita carne em torno do esqueleto, mas agora tudo o que resta é o esqueleto. Ossos afiados e pontiagudos que me cortam.
— Você está bem?
Assinto.
— Estou, mas... Não parece que ele saiu daqui determinado
demais? Como se estivesse indo para algum outro lugar?
Os olhos de Lucy se voltam para a porta outra vez.
— Pois é, ele saiu do estacionamento a mil por hora. Talvez você
devesse avisar Atlas.
Pego o telefone na mesma hora e ligo para ele.