— Quando estiver preparando linguado, sempre segure a faca assim.
Mostro que o primeiro passo é encostar o dorso da lâmina na cauda, mas Theo desvia o olhar assim que começo a tirar as escamas do peixe.
— Eca — sussurra ele, cobrindo a boca. — Não aguento.
Theo vai para o outro lado do balcão, deixando um espaço entre ele e a aula de culinária.
— Estou apenas tirando as escamas. Ainda nem o abri.
Theo faz um barulho como se fosse vomitar.
— Não estou interessado em trabalhar com comida. Prefiro
continuar sendo seu terapeuta. — Theo se senta no balcão. — Falando nisso, você chegou a mandar mensagem para a Lily?
— Cheguei.
— Ela respondeu?
— Mais ou menos. Foi uma mensagem curta, então decidi levar
um almoço para ela hoje para saber o que estava passando na cabeça dela.
— Bastante ousado.
— Passei a vida inteira sem ter coragem em relação a ela. Desta vez, eu queria que ela tivesse certeza das minhas intenções.
— Ah, não — resmunga Theo. — Que cafonice! Você falou sobre peixes e praias e costas?
Nunca devia ter lhe contado o que disse a Lily sobre finalmente termos chegado à costa. Ele vai ficar me zoando para sempre.
— Cala a boca. Aposto que você nunca nem falou com uma garota. Você tem doze anos.
Theo ri, mas percebo um constrangimento surgir quando ele acha que não estou olhando. Ele fica quieto, apesar do tumulto ao nosso redor. Tem pelo menos mais cinco pessoas na cozinha agora,mas, como todos estão concentrados no trabalho, não tem ninguém prestando atenção na nossa conversa.
— Está a fim de alguém? — pergunto.
Ele dá de ombros.
— Mais ou menos.
As conversas que tenho com Theo costumam ser unilaterais.
Apesar de ele adorar fazer perguntas, não responde a muitas, então sou cauteloso.
— É mesmo? — Tento responder casualmente para que ele conte mais. — Quem é ela?
Theo está olhando as próprias mãos. Está mexendo na cutícula do polegar, mas vejo seus ombros se abaixarem um pouco depois da minha pergunta, como se eu tivesse feito algo de errado.
Ou dito algo de errado.
— Ou ele — digo. Sussurro para garantir que só ele vai me escutar.
Theo me encara.
Ele nem precisa confirmar ou negar. Vejo a verdade estampada no medo que há por trás dos seus olhos. Volto a prestar atenção no preparo do peixe, e digo da maneira mais tranquila possível:
— Você estuda com ele?
Theo não responde de imediato. Não sei se eu sou a primeira pessoa para quem ele fez essa confissão, então quero ter a certeza de que vou tratá-la com o cuidado que ela merece. Quero que ele saiba que pode contar comigo, mas também espero que saiba que pode contar com o pai.
Theo olha ao redor para conferir se não tem ninguém parando perto da gente por tempo suficiente para acompanhar a conversa.
— Estamos juntos este ano no clube de matemática — dispara, com palavras rápidas e concisas, como se quisesse colocá-las para fora e nunca mais repeti-las.
— Seu pai sabe?
Theo balança a cabeça. Observo-o sufocar o que parecem ser pensamentos nervosos.
Largo a faca após terminar com as escamas e vou até a pia mais próxima de Theo para lavar as mãos.
— Conheço seu pai há muito tempo. Ele é um dos meus melhores amigos por um motivo. Eu não me envolvo com pessoas que não são boas. — Percebo que ele fica mais tranquilo quando digo isso, mas também noto que está constrangido e provavelmente quer mudar de assunto. — Eu até diria para você mandar uma mensagem para essa pessoa de quem gosta, mas você deve ser o único garoto de doze anos do mundo que não tem celular. Desse jeito, nunca vai namorar ninguém. Acho que vai passar o resto da vida solteiro e sem celular.
Theo se sente aliviado com a brincadeira.
— Ainda bem que você decidiu ser chef, e não terapeuta. Seus conselhos são uma porcaria.
— Estou ofendido. Meus conselhos são ótimos.
— Tudo bem, Atlas. Acredite no que quiser. — Ele parece relaxar e me acompanha enquanto volto para minha bancada. — Você chamou Lily para sair quando passou lá no trabalho dela?
— Não. Vou fazer isso hoje à noite. Vou ligar para ela quando chegar em casa.
Passo por Theo e bagunço seu cabelo a caminho do freezer.
— Ei, Atlas?
Eu paro. Os olhos dele estão repletos de preocupação, mas um
dos garçons empurra as portas e passa entre a gente, impedindo Theo de dizer o que quer que ele estivesse prestes a dizer. Mas não é nem preciso falar nada.
— Não vou contar nada, Theo. O sigilo profissional vale para nós dois.
Isso parece tranquilizá-lo.
— Acho bom, porque se você contar para o meu pai, vou revelar suas cantadas bregas. — Theo põe as mãos nas bochechas, brincando. — Finalmente chegamos a uma prainha, minha golfinha.
Fulmino-o com o olhar.
— Não foi assim que aconteceu.
Theo aponta para o outro lado da cozinha.
— Olha ali! Chegamos à areia, minha querida sereia! — Pare com isso.
— Lily, o que diabos rolou? Nosso barco quebrou!
Ele ainda está me seguindo pela cozinha e zombando de mim quando o turno do seu pai acaba. Nunca me senti tão feliz ao vê-lo ir embora.